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Setor Oeste

O dever do proprietário de notificar o arrendatário nos contratos de arrendamento rural

O dever do proprietário de notificar o arrendatário nos contratos de arrendamento rural

10 fev 2023

Guilherme França

 

Os contratos de arrendamento rural são muito comuns no campo brasileiro. Esses contratos estabelecem que o proprietário do imóvel rural, chamado de arrendador, cede a sua terra para que um terceiro, chamado de arrendatário, possa explorá-la, mediante uma remuneração acordada entre as partes.

Em relação a esse tipo de contrato, o ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de normas que devem ser observadas. De forma geral, o objetivo da legislação é proteger e resguardar os direitos do arrendatário, que é visto como a parte mais fraca na relação contratual.

Uma dessas proteções é o dever imposto ao proprietário da terra de notificar o arrendatário até seis meses antes do fim do contrato de arrendamento, informando-o sobre a intenção do proprietário de retomar o imóvel.

O arrendador também deve notificar o arrendatário, até seis meses antes do fim do contrato, sobre propostas existentes de terceiros para renovar o arrendamento, pois o arrendatário tem o direito de preferência na renovação do arrendamento se igualar as propostas oferecidas por terceiros ao proprietário da terra.

Caso o proprietário não notifique o arrendatário até seis meses antes do fim do contrato, o arrendamento será considerado automaticamente renovado.

Esses direitos do arrendatário estão previstos na Lei nº 4.504/1964, conhecida como Estatuto da Terra:

Art. 95. Quanto ao arrendamento rural, observar-se-ão os seguintes princípios:

(…)

IV – em igualdade de condições com estranhos, o arrendatário terá preferência à renovação do arrendamento, devendo o proprietário, até 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, fazer-lhe a competente notificação extrajudicial das propostas existentes. Não se verificando a notificação extrajudicial, o contrato considera-se automaticamente renovado, desde que o arrendador, nos 30 (trinta) dias seguintes, não manifeste sua desistência ou formule nova proposta, tudo mediante simples registro de suas declarações no competente Registro de Títulos e Documentos;

V – os direitos assegurados no inciso IV do caput deste artigo não prevalecerão se, no prazo de 6 (seis) meses antes do vencimento do contrato, o proprietário, por via de notificação extrajudicial, declarar sua intenção de retomar o imóvel para explorá-lo diretamente ou por intermédio de descendente seu;

 

Essa proteção ao arrendatário é reforçada pelo Decreto 59.566/1966, que regulamenta o Estatuto da Terra, estabelecendo também que as notificações devem ser enviadas por meio do Cartório de Registro de Títulos e Documentos de onde o imóvel rural está localizado:

Art 22. (…)

  • 3º As notificações, desistência ou proposta, deverão ser feitas por carta através do Cartório de Registro de Títulos e documentos da comarca da situação do imóvel, ou por requerimento judicial.

 

Os Tribunais brasileiros são firmes para garantir a proteção aos arrendatários, reconhecendo que, se a notificação não for enviada pelo proprietário ao arrendatário no prazo legal, o contrato de arrendamento fica renovado automaticamente, como nesse julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ):

RECURSO ESPECIAL. DIREITO AGRÁRIO. CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL. PRAZO DETERMINADO. NOTIFICAÇÃO. ARRENDATÁRIO. SEIS MESES ANTERIORES. AUSÊNCIA. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA. NORMA COGENTE. ESTATUTO DA TERRA. MODIFICAÇÃO PELAS PARTES. IMPOSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO.

  1. O Estatuto da Terra prevê a necessidade de notificação do arrendatário seis meses antes do término do prazo ajustado para a extinção do contrato de arrendamento rural, sob pena de renovação automática.
  2. As partes não podem estabelecer forma alternativa de renovação do contrato, diversa daquela prevista no Estatuto da Terra, pois trata-se de condição obrigatória nos contratos de arrendamento rural.
  3. Em se tratando de contrato agrário, o imperativo de ordem pública determina sua interpretação de acordo com o regramento específico, visando obter uma tutela jurisdicional que se mostre adequada à função social da propriedade. As normas de regência do tema disciplinam interesse de ordem pública, consubstanciado na proteção, em especial, do arrendatário rural, o qual, pelo desenvolvimento do seu trabalho, exerce a relevante função de fornecer alimentos à população.
  4. Não realizada a notificação no prazo legal, tem-se o contrato como renovado.
  5. Recurso especial provido.

(STJ, REsp n. 1.277.085/AL, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 27/9/2016, DJe de 7/10/2016.)

 

Dessa forma, os proprietários de imóveis rurais que desejam arrendar suas terras devem ficar atentos a esse dever legal e evitar os inúmeros problemas causados por uma renovação automática e forçada do arrendamento.

Por sua vez, os arrendatários também devem ter ciência do prazo legal da notificação, a fim de garantir seus direitos e buscar o Poder Judiciário quando necessário.

Entretanto, o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás (TJGO) já proferiu decisões ressalvando que, se o arrendatário estiver inadimplente em relação ao arrendamento, não é necessária a notificação enviada seis meses antes do fim do contrato, sendo suficiente a notificação acerca do inadimplemento e informando a rescisão do contrato. Vejamos:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO RENOVATÓRIA. ARRENDAMENTO RURAL. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. ATRASOS NO PAGAMENTO. NOTIFICAÇÃO. RENOVAÇÃO AUTOMÁTICA DA AVENÇA. NÃO CONFIGURAÇÃO.

  1. Desarrazoada a tese de renovação automática do contrato de arrendamento rural ante a ausência de notificação de que tratam o art. 95, IV, da Lei n. 4.504/64 (Estatuto da Terra) e o art. 22, caput, e §1º, do Decreto n° 59.566/66, uma vez constatado o direito de retomada do imóvel arrendado ante o descumprimento contratual reiterado pela impontualidade e inadimplemento dos respectivos pagamentos, conforme o art. 27 do Decreto n° 59.566/66 e art. 92, § 6º do Estatuto da Terra, inclusive materializados em notificação de rescisão da arrendadora ao arrendatário, ora apelante.
  2. Sentença confirmada. Honorários majorados. APELAÇÃO CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 5365145- 35.2018.8.09.0017, Rel. Des(a). LEOBINO VALENTE CHAVES, 2ª Câmara Cível, julgado em 28/07/2020, DJe de 28/07/2020)

 

E:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ARRENDAMENTO RURAL. DESMEMBRAMENTO DE VARA JUDICIAL. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. INEXISTÊNCIA DE OFENSA. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. INADIMPLÊNCIA DOS ARRENDATÁRIOS VERIFICADA. INAPLICABILIADE DO DISPOSTO NO ART. 95, INCS. IV E V DO ESTATUTO DA TERRA. INEXISTÊNCIA DE RESPONSABILIDADE CIVIL INDENIZATÓRIA. (…)

  1. Verificado o inadimplemento contratual por parte dos arrendatários, que não demonstraram justo motivo que os impediram de dar início ao plantio da safra na área do arrendo, a rescisão do contrato de arrendamento rural pelo arrendante está justificada. 3. Desnecessário, no caso, a notificação prevista no art. 95, incisos IV e V da Lei nº 4.504/64, uma vez que não se trata de renovação do arrendo, mas sim de rescisão por inadimplemento. (…)
  2. Recurso conhecido e desprovido. Sentença mantida. (TJGO, APELACAO CIVEL 217318-85.2008.8.09.0137, Rel. DR(A). ROBERTO HORACIO DE REZENDE, 5A CAMARA CIVEL, julgado em 11/10/2012, DJe 1178 de 05/11/2012)

 

Assim, é preciso que arrendadores e arrendatários tenham ciência de que o imóvel pode ser retomado pelo proprietário, caso o arrendatário esteja inadimplente.

Nesses casos não é cabível a alegação de que não houve o envio de notificação extrajudicial seis meses antes do fim do contrato, não havendo renovação automática nos mesmos.