A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
Renan Bulhões Bernardes
É fato inconteste que a Constituição Federal possui como dogma a proibição de tratamento diferenciado oriundo da origem de filiação, visto que a designação de prioridades e privilégios conferidos a um determinado grupo de filhos estaria em completa dissonância àquilo que é estabelecido pelo Princípio da Igualdade.
A título de ilustração do que é preceituado no art. 227, § 6º da Lei Maior:
“Art. 227, § 6º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”
Ocorre que o Código Civil, por sua vez, estabeleceu notória diferenciação no âmbito sucessório entre os irmãos unilaterais e bilaterais:
” Art. 1.841. Concorrendo à herança do falecido, irmãos bilaterais com irmãos unilaterais, cada um destes herdará metade do que cada um daqueles herdar.“
Ou seja, percebe-se que existe distinção legal condizente ao recebimento da herança entre os irmãos que possuem os dois pais como semelhança e entre aqueles que possuem apenas um dos pais como fator comum.
Nesse viés, ainda que o texto constitucional estabeleça que a vedação à diferenciação está relacionada aos descendentes, é possível considerar o art. 1841 do Código Civil como inconstitucional, haja vista o vínculo decorrente entre irmãos ser originado da filiação?
Em um primeiro momento, é válido salientar que a doutrina possui divergências em relação à constitucionalidade do art. 1841 do CC. Enquanto autores como Tartuce, Zeno Veloso e Rizzardo consideram que a particularização realizada pelo Codex não macula a Constituição, doutrinadores como Eduardo de Oliveira Leite, Maria Berenice Dias e Paulo Lôbo entendem que a distinção entre os colaterais caminha no sentido contrário ao que é sedimentado pelo axioma constitucional relativo à igualdade.
Os defensores da primeira corrente alegam que a norma constitucional se refere expressamente à igualdade entre filhos, de modo que não seria possível estender o preceito legal à relação entre irmãos. Ainda, utilizam como amparo argumentativo o fato de que a diferenciação referente ao quinhão hereditário seria um reflexo da existência de um vínculo mais forte entre os irmãos bilaterais, uma vez comparados com os irmãos unilaterais.
Já os defensores da segunda corrente, em suma, asseveram que o art. 227, § 6º da Constituição deveria ser aplicado de maneira analógica à relação sucessória existente entre os irmãos bilaterais e unilaterais, através da justificativa de que a qualidade de irmãos seria justamente uma derivação do estado de filiação e, portanto, explicaria a necessidade de designação de tratamento uniforme no contexto de recebimento de herança, em virtude da vedação constitucional à diferenciação entre filhos. Ademais, os defensores da vertente em questão também consideram que a distinção feita pelo Código Civil ignora o princípio da afetividade, visto que os laços familiares seriam oriundos da convivência, de modo que os laços de sangue não teriam tanto valor se comparados com a relação fática de afeto.
Sendo assim, denota-se que o tema é dotado de controvérsias no campo acadêmico, vez que não existe entendimento pacificado a respeito da possibilidade de aplicação analógica do preceito constitucional que versa acerca da não diferenciação entre os filhos à sucessão entre irmãos e meio irmãos.
Na esfera judicial, o Superior Tribunal de Justiça, predominantemente, utiliza a primeira corrente doutrinária como base para a prolação de decisões a respeito do tema, de modo a considerar que o art. 1841 do CC não ofende valores constitucionais. É o entendimento do STJ:
“O Código estabelece diferença na atribuição da quota hereditária, tratando-se de irmãos bilaterais ou irmãos unilaterais. Os irmãos, bilaterais filhos do mesmo pai e da mesma mãe, recebem em dobro do que couber ao filho só do pai ou só da mãe. Na divisão da herança, coloca-se peso 2 para o irmão bilateral e peso 1 para o irmão unilateral, fazendo-se a partilha. Assim, existindo dois irmãos bilaterais e dois irmãos unilaterais, a herança divide-se em seis partes, 1/6 para cada irmão unilateral e 2/6 (1/3) para cada irmão bilateral. (VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Direito das Sucessões, 7ª edição, São Paulo: Atlas, 2007. p. 138). No caso dos autos, considerando-se a existência de um irmão bilateral (recorrido) e três irmãs unilaterais (recorrentes), deve-se, na linha dos ensinamentos acima colacionados, atribuir peso 2 ao primeiro e às últimas peso 1. Deste modo, àquele efetivamente caberia 2/5 da herança (40%) e a cada uma destas últimas 1/5 da herança (20%).”
RECURSO ESPECIAL Nº 1.203.182 – MG (2010/0128448-2), RELATOR: MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO, 30/9/2013
Portanto, evidencia-se que o tema ainda será objeto de futuras discussões, visto que ainda não existe uma única compreensão consolidada entre a comunidade jurídica. Logo, é de notória relevância observar quais serão as atualizações e os entendimentos futuros dos Tribunais a respeito de um assunto tão relevante na seara sucessória e que divide tantas opiniões entre os mais diversos autores.
Referências Bibliográficas:
1) http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm;
2) DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 6. ed. rev. atual. e ampl.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008;
3) LOBO, Paulo. Direito Civil: Sucessões. 2ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014;
4) TARTUCE, Flávio. Direito civil: Direito das Sucessões. 12ª. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019;
5) RIZZARDO, Arnaldo. Direito das Sucessões. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2008.