A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
João Victor Barros Paiva
O desígnio do presente estudo é trazer a lume o estudo do compliance para uma efetividade das medidas anticorrupção. Nesta senda, diante de um elevado índice deficitário de percepção ética nas empresas públicas e privadas, o compliance surgiu no cenário econômico empresarial.
Nos últimos anos até meados de 2015, o Brasil fora marcado especialmente pelo acentuado crescimento econômico e sua ascensão no cenário mundial, chegando em um dado momento a integrar o posto de sexta maior economia mundial.
Após o “boom” econômico, o País “mergulhou” em um profundo período de resseção econômica, instaurada em meados de 2016, provocada principalmente pelos escândalos da Operação Lava-Jato, que envolveram políticos, empresários e gestores das maiores empreiteiras da América Latina. Nesse período, o Brasil iniciou sua jornada de avanços legislativos no combate à corrupção, em busca de parear seu ordenamento jurídico com os princípios elencados no art. 37 da Lex Mater.
O termo conhecido como compliance origina-se do verbo “to comply” ao qual define-se como cumprir, realizar, efetivar e satisfazer. Entretanto, a terminologia em sua tradução não vingou e até hoje a nomenclatura ficou na língua inglesa.
Ana Paula Candeloro define o compliance como:
Um conjunto de regras, padrões, procedimentos éticos e legais que, uma vez definido e implantado, será a linha mestra que orientará o comportamento da instituição no mercado em que atua, bem como as atitudes de seus funcionários; um instrumento capaz de controlar o risco de imagem e o risco legal, os chamados riscos de compliance, a que se sujeitam as instituições no curso de suas atividades. (CANDELORO et al, 2012, p. 30).[1]
O compliance serve para permear mais transparência nos controles internos e nas análises contábeis e financeiras, possibilitando, além de uma responsabilidade social da empresa, uma atuação correta face a sua atuação no mercado concorrencial, mitigando por assim os riscos de haverem práticas lesivas e fraudulentas em meios aos processos de gestão, garantindo desta forma que o éthos da empresa mantenha-se íntegro.
Nesta esteira de análise, os professores Mello e Saad assinalam sobre o compliance:
Orienta-se, em verdade, pela finalidade preventiva, por meio da programação de uma série de condutas (condução de cumprimento) que estimulam a diminuição dos riscos da atividade. Sua estrutura é pensada para incrementar a capacidade comunicativa da pena nas relações econômicas ao combinar estratégia de defesa da concorrência leal e justa com as estratégias de prevenção de perigos futuros (MELLO et al, 2015, p. 255)[2]
As convenções e os tratados internacionais de combate a corrupção, emergiram da ideia de prevenção de delitos na esfera do direito privado. O Estado começou a ser visto não mais como apenas aplicador de sanções a condutas ilícitas, a partir da nova ordem do mercado, passa-se a utilizar o compliance como mecanismo preventivo de combate à ilícitos.
Neste diapasão, mister repensar a função da empresa posto que, na era atual, a empresa não figura-se apenas como um ente que preocupa-se com o lucro, mas também com a responsabilidade social da marca, assumindo por assim um papel de protagonista na mudança dos paradigmas sociais dentro de um mercado tido como extremamente voraz e insensível quanto às pautas sociais.
O compliance como alguns pensam, não assume apenas um papel sancionador, mas tem papel ainda mais preventivo, ou seja, cria-se políticas e regras que propaguem uma cultura ética, em que a preservação da integridade tanto na empresa quanto dos agentes envolvidos, torna-se princípio norteador da atividade empresarial.
Veríssimo (2017, p.91) assinala acerca dos objetivos do compliance:
O compliance tem objetivos tanto preventivos como reativos. Visa à prevenção de infrações legais em geral assim como a prevenção dos riscos legais e reputacionais aos quais a empresa está sujeita, na hipótese de que essas infrações se concretizem. Além disso, impõe à empresa o dever de apurar as condutas ilícitas em geral, assim como as que violam as normas da empresa, além de adotar medidas corretivas e entregar os resultados de investigações internas às autoridades, quando for o caso. O aspecto reativo do compliance se revela no momento em que ocorre algum evento que demanda investigação, busca de elementos de prova, preparação de uma defesa perante autoridades regulatórias ou de aplicação da lei penal, assim como a gestão do impacto do descumprimento normativo ou do escândalo, na reputação da empresa (VERISSIMO, 2017, p. 91)[3]
A primeira normativa internacional que abordou a temática envolvendo o compliance foi a daInternational Organizations for Standardization ISO 19600:2014. Nesta normativa, o compliance é definido como o cumprimento de todas as obrigações em meio a uma organização, enquanto o non-compliance se define como sendo o não preenchimento de uma norma que envolve o compliance ou até mesmo, a falta integral dos mecanismos previstos neste instrumento de prevenção a ilícitos.
Os primeiros aparecimentos sobre a temática do compliance podem ser observados especialmente em meados dos anos de 1930, nos Estados Unidos, quando iniciou a discussão sobre o problema do agente-principal, observado por Berle e Means.
Aduz Berle e Means em o início da divergência entre proprietários (principal) e do dirigente final (agente). Veja-se:
Destruiu a unidade que nós comumente chamamos de propriedade – dividiu a propriedade entre propriedade nominal e o poder anteriormente ligado a ela. Os homens mais raramente irão dominar os instrumentos físicos de produção. Mais provavelmente, irão possuir pedaços de papel, mais conhecido como ações, obrigações, e outros valores que se tornaram móveis através da estrutura dos mercados públicos. Por baixo disso, entretanto, há um deslocamento fundamental. O controle físico dos instrumentos de produção está completamente entregue a grupos cada vez mais centralizados, que administram a propriedade em massa, supostamente, mas não necessariamente, em benefício dos detentores dos valores mobiliários. (BERLE et al, Ibid, p.7-8)[4]
Esse problema entre o agente-principal, mas também conhecidamente como conflito de agência, em que se observa a desvinculação entre poder e controle na sociedade empresária, ou seja, justamente a divergência de interesses entre controladores e proprietários. O compliance como sendo um dos pilares do bom governo, veio justamente para dirimir os problemas decorrentes do problema de agência.
A realidade e os índices habitualmente apreciados nos mostram que estudos e investimentos em programas de compliance cada vez se mostraram indispensáveis para as empresas e organizações, especialmente quando nos referimos às S.A., pois se figuram, na maioria das vezes, como empresas de grande porte.
Mister destacar que os nichos onde as atividades econômicas se desenvolvem, tendem hoje a ter um maior controle e estudo de impacto em relação a consumidores e a sociedade que indiretamente sofrerá os efeitos das decisões advindas de tais empresas.
Um bom exemplo de crescimento regulatório foi em decorrência do escândalo de Libor, em que bancos faziam acordos ilícitos para controlar as taxas de câmbio em diferentes nações, gerando multas que chegaram a ordem de cinco bilhões de dólares. Essas situações nos mostram que o desgaste jurídico, econômico acabam não se mostrando interessantes, pois em alguns casos acarretam até mesmo no fechamento de algumas empresas, como ocorreu com o conhecido caso da empresa de auditoria Arthur Andersen, que encerrou suas operações após ser condenada reiteradas vezes por conta de uma série de fraudes e ilícitos praticados pela Enron, empresa do setor de energia sediada no Texas.
Verifica-se pelos dados expostos que os custos expendidos pelas empresas em se instituir programas de compliance se fazem benéficos para a empresa, posto que é notado aumento considerável em seu valor de mercado e na reputação da empresa face aos consumidores, pois estes começam a avaliar a responsabilidade social da marca em um mercado que até pouco tempo não possuia uma boa reputação.
[1] CANDELORO, A. P.; MARTINS DE RIZZO, M. B.; PINHO, V. Compliance 360º. São Paulo: Treisan, 2012.
[2] SAAD-DINIZ, E.; SILVEIRA, D. M. J. Compliance, Direito Penal e Lei Anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2015.
[3] VERISSIMO, C. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2018.
[4] BERLE, A.; MEANS, G. The Modern Corporation and Private Property. New York: Macmillan, 1932.