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Setor Oeste

As relações de trabalho em época de pandemia

As relações de trabalho em época de pandemia

16 abr 2020

Por Jaíne de Almeida Reis[1]

Vivenciamos, no momento, o avanço crítico da pandemia do novo coronavírus, iniciada na China no final do ano de 2019, obrigando a mudança drástica nos hábitos de todos, o que se relaciona de forma inevitável ao modo de trabalho anteriormente adotado por maior parte do país.

Em 06 de fevereiro de 2020 foi sancionada a Lei nº 13.979/2020, que dispõe acerca das medidas a serem tomadas para enfrentar a emergência de saúde pública que decorre da Covid-19. Ocorre que a referida lei é silente no que diz respeito aos meios de trabalho, situação no mínimo irresponsável, haja vista que se trata de uma das formas centrais de relacionamento humano.

Mesmo estando próximos ao auge da pandemia, o que vemos é a não concessão, pelos empregadores, de medidas essenciais para preservar a saúde e a dignidade de seus empregados, fato que não surpreende, levando em conta a desigualdade vivenciada no país.

Este acontecimento resulta em atitudes de pessoas que, embora reconheçam a crise de saúde pública, são incapazes de dispensar empregadas domésticas, que acabam por serem infectadas pelo vírus, ocasionalmente vindo a falecer. Um exemplo é a primeira vítima de coronavírus no Rio de Janeiro, uma mulher de 63 anos, empregada doméstica, que foi infeccionada por sua patroa, no Alto Leblon.

À meia-noite do dia 22 de março de 2020, o presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, editou a Medida Provisória nº 927/2020, com o fito de instaurar medidas trabalhistas durante o estado de calamidade pública e emergência de saúde decorrente da Covid-19.

A Medida Provisória, a que se refere, dispunha em seu artigo 18 acerca da possibilidade de suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses, caso em que deveria haver direcionamento do trabalhador para qualificação, por meio de cursos, período em não haveria remuneração, apenas a facultatividade de concessão de ajuda compensatória mensal por parte do empregador. A lei sequer fixava valor mínimo para a possível ajuda mensal.

Na tarde do dia 23 de março de 2020, o presidente da República informou, em suas redes sociais, que foi determinada a revogação do artigo 18 da Medida Provisória nº 927/2020, recuando em seu posicionamento sobre a suspensão do contrato de trabalho.

O ato normativo continuará em vigor no que diz respeito aos demais artigos, que preveem, em síntese, as seguintes medidas:

  • A antecipação de férias individuais com prioridade aos trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus;
  • A concessão de férias coletivas sem aplicação do limite mínimo de dias corridos e máximo de períodos anuais;
  • O aproveitamento e a antecipação dos feriados que poderão ser usados inclusive para compensação do banco de horas;
  • O regime de compensação de banco de horas em até 18 meses a partir do fim da calamidade pública;
  • Deixa de ser obrigatória a realização de exames médicos ocupacionais, com exceção dos demissionais;
  • Fica suspenso o recolhimento do FGTS por três meses, sendo que os valores devem ser pagos na sequência;
  • Poderá haver prorrogação da jornada de trabalho e adoção de escala de horas suplementares em estabelecimentos de saúde, inclusive em relação às jornadas de 12 horas de trabalho por 36 horas de descanso, com 18 meses para compensação do período adicional;
  • Não será considerado doença ocupacional os casos de contaminação por coronavírus, exceto comprovação de nexo causal;
  • A antecipação do pagamento do abono salarial, com a primeira parcela, de 55%, devida no mês de abril, e pagamento da segunda parcela em maio.

Conforme dispõe o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), pode-se afirmar que o empregador, ao assumir os riscos da atividade econômica, deve se responsabilizar, inclusive, pelas medidas e soluções a serem tomadas em época de crise.

Há quem afirme, entretanto, que deve decorrer do empregado a decisão sobre o que há de ser feito por si mesmo em meio à pandemia.

Todavia, não se deve ignorar o momento pelo qual passa o Brasil em relação ao percentual de desemprego, que chegou a mais de 11% da população em fevereiro de 2020, um dos fatores que demonstram a fragilidade do empregado em relação ao empregador na tomada de qualquer decisão relacionada às medidas preventivas, para evitar a propagação do vírus. Para manutenção de seus empregos, a possibilidade de que os trabalhadores se sujeitem a quaisquer condições de trabalho é imensa.

Deve-se levar em conta, ainda, as condições sociais dos trabalhadores, que impossibilitam a sobrevivência individual, principalmente por conta dos baixos salários, sendo necessária maior intervenção do poder público para defesa do coletivo.

Apenas por meio de emprego, devidamente protegido, com remuneração assegurada, é que os empregados teriam tranquilidade para ficar em casa, evitando a propagação do coronavírus, cenário não aplicável ao Brasil, onde a taxa de informalidade atinge cerca de 40% da população, sendo que a maioria dos casos não tem acesso a direitos básicos, como INSS e FGTS.

Diversos perfis em redes sociais deixam o apelo de que aqueles que fazem uso habitual dos serviços informais continuem pagando os trabalhadores, sem necessidade de prestação do serviço.

Para dar prosseguimento aos trabalhos, diversas empresas e outros ramos de atividades adotaram a relação de trabalho à distância, o teletrabalho, inclusive previsto na Medida Provisória 927/2020. Mas, trata-se de situação de privilégio com relação à realidade da maioria esmagadora dos trabalhadores brasileiros.

A crise trazida à tona pelo coronavírus, que apenas se inicia no Brasil, demonstra ainda mais a fragilidade do sistema de trabalho da sociedade brasileira e a necessidade de que sejamos solidários uns com os outros neste momento.

Porém, além da solidariedade   de todos, a ausência de estrutura do mercado de trabalho deve ser suprida pelo poder público, para que seja possível sobreviver ao vírus com dignidade.

No futuro, será inevitável repensar a necessidade de promover trabalho digno e protegido. No momento, mais importa a preservação da vida dos milhões de brasileiros, do que o anunciado colapso da economia nacional.


[1] Estagiaria no escritório Crosara Advogados, aluna do 9º período do curso de Direito na Pontifícia Universidade Católica de Goiás.


Referência:

Desemprego fica em 11,2% em janeiro, e atinge 11,9 milhões, diz IBGE. Disponível em < https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/02/28/desemprego-fica-em-112percent-em-janeiro-e-atinge-119-milhoes-diz-ibge.ghtml >. Acesso em 22 de março de 2020.