A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
Por Victor Elias, advogado
O Brasil e o mundo enfrentam neste momento um desafio enorme de saúde pública frente à pandemia da Covid-19. Evidentemente, a prioridade de todos neste momento é a saúde das pessoas. Mas é preciso pensar e discutir as consequências e soluções em outras searas. O sistema de saúde corre o risco de colapso frente a este fato de proporções impensáveis. E não menos, o Judiciário corre o mesmo risco, ante à possíveis enxurradas de ações em virtude da pandemia.
Em que pese, essa crise não seja primordialmente financeira, seus impactos estão sendo sentidos em toda economia, com reflexos negativos em todas as áreas.
Com essa nova experiência de quarentena, que é fechar nossos locais de trabalho e trabalhar em casa, temos a ampla aplicação do conceito de home office. Será difícil abrir mão do convívio diário de pessoas que tanto gostamos e admiramos, mas a necessidade e a cautela justificam tal medida, primordial neste momento de afastamento social.
As autoridades preveem que o pico dos casos na pandemia da Covid-19 no Brasil deve ocorrer já no início de abril. Não há nenhuma certeza neste momento. Alguns especialistas falam que esta pandemia poderá se estender até agosto ou setembro. Temos que nos unir no combate ao vírus e focar em medidas que ajudem as empresas a se manterem ativas no mercado até lá, para que o caos social e econômico não se agrave ainda mais.
É real a chance de ruir, além do sistema de saúde do Brasil, o já assoberbado Poder Judiciário, sob o peso do que está por vir. Cabe a nós, da comunidade jurídica, propor e discutir, desde já, possíveis medidas para prevenir esse risco e garantir que o sistema contribua ao máximo para a normalização da vida econômica e social. Preservar a vida empresarial tanto quanto possível deverá ser nossa contribuição mais relevante à sociedade.
Os efeitos maléficos para a economia das inexoráveis medidas drásticas de confinamento e contenção social são inevitáveis e necessários, sendo variável apenas a sua extensão. O Governo deve, sem dúvida alguma, tomar medidas econômicas de alívio fiscal, reforço de programas sociais e provimento de linhas de crédito para mitigar os prejuízos empresariais e sociais causados pela Covid-19, entre deixar as pessoas em casa e manter a esperança na retomada dos negócios.
A classe empresarial já sente e sentirá cada vez mais o peso deste impensável acontecimento, de extensão mundial, refletindo isso nos empregados e numa possível convulsão social, ante a possíveis demissões em massa.
Do ponto de vista jurídico, não há dúvida que a situação provocará uma gama enorme de inadimplementos contratuais individuais e coletivos, comerciais e financeiros. Os instrumentos jurídicos presentes hoje na legislação para lidar com isso talvez sejam insuficientes.
Ações individuais para revisão ou rescisão de contratos por previsão, onerosidade excessiva, caso fortuito, força maior, ou qualquer outra justificativa que se prefira, serão abundantes, colapsando o Poder Judiciário. As ações de recuperações judiciais e falência, também aumentarão muito, inegavelmente, ante à possível insolvência generalizada que se instalará, principalmente, para micro, pequenas e médias empresas, onde terão dificuldades de crédito para fluxo de caixa.
Um momento inimaginável e atípico como este, demanda uma solução rápida para coletivizar as ações empresariais e evitar mais esta consequência nefasta que se vislumbra. Portanto, além de bom senso e sensibilidade entre contratantes, devedores e credores, é preciso dispor de um instrumento voltado para este período.
Antes de mais nada, seria salutar priorizar a modernização da Lei 11.101/05, por meio do PL 6.229/05, já em condições de ser votado pelo Congresso. Ainda, seria salutar permitir no projeto, por um período de 180 dias, a possibilidade de inclusão na RJ de débitos vencidos após o pedido de recuperação judicial relacionados no período da crise, principalmente, em momento delicado como este em que estamos vivendo.
Uma proposta seria criar um procedimento que sirva tanto para efetuar a revisão coletiva dos contratos empresariais em razão da pandemia, quanto de um anteparo para minimizar os procedimentos de insolvência.
O processo, de acordo com especialistas, consistiria de forma simplificada, enviada ao judiciário pela recuperanda, que traria de imediato uma suspenção automática de toda e qualquer execução ou cobrança, inclusive trabalhistas e fiscais por sugestivos 90 dias. Também qualquer excussão de garantia ficaria suspensa, podendo ser liberados possíveis recebíveis do momento para reposição por recebíveis futuros, para viabilizar a continuidade da atividade durante a fase aguda da crise, bem como eventuais contrições sobre valores que auxiliem o caixa.
Nesse período, a recuperanda poderia negociar os contratos ou até mesmo propor uma mediação, algo que começa a ser realizado pelas empresas que se encontram em processo de soerguimento. Ao fim do período, o autor deveria informar uma das seguintes providências ao juízo: conclusão das negociações com credores, contratantes e o fim do processo; necessidade de revisão de alguns contratos de forma individual; pedir a conversão do processo de recuperação extrajudicial em judicial, juntando documentos necessários da Lei 11.101/05, descontando o período do stay period, com a possibilidade deste procedimento vigorar pelo prazo de dois anos após o fim da epidemia no Brasil.
Enfim, esta é uma ideia para ser debatida e aprimorada pela comunidade jurídica e econômica que milita na área da crise empresarial.
De certa forma, a liquidez de crédito na economia não pode parar! Alguns pequenos e médios bancos anunciaram medidas mais conservadoras para operações de crédito no mercado. As FIDCS podem estar seguindo o mesmo ritmo e revisando o spread de vários setores. A preocupação é com as medidas que o Governo deve tomar para manter a ritmo de crédito parcialmente aquecido, principalmente, neste momento, em que as empresas necessariamente irão precisar de capital de giro para sobreviver.
Como exemplo, grandes empresas, como a Petrobrás, se tiverem balanço para aguentar um período com receitas mais baixas, por conta da guerra comercial dos Sauditas, poderá sair da crise com menos abalos, mas sofrerá queda relevante de fluxo de caixa, e não se sabe por quanto tempo.
Outra grande empresa, já na área do turismo, a CVC, se tiver balanço para aguentar dois semestres com receitas mais baixas, pois esse é o período que se espera da retomada do turismo, sairá mais alavancada. Porém, também sofrerá queda relevante de fluxo de caixa e tem grande chance de pedir RJ de acordo com analistas. Aviação idem. Eventos em geral idem. A expectativa é que deve haver aumento de inadimplência em geral.
Acredito que boa parte da população entendeu a gravidade dos problemas de saúde, social e econômico que a Covid-19 protagoniza.
Na parte econômica, investidores e empresas estão a todo custo mapeando suas perdas, e essa é a primeira etapa do processo: o reconhecimento das perdas. Assim, pode dar a oportunidade de agir diferente, pensar nos riscos que foram aceitos e mudar o padrão de investimento.
A segunda opção, seria o tempo. Sim, o tempo, devendo administrar o impulso de tentar reavaliar perdas ou entrar em um financiamento de capital de giro, que, melhora a curto prazo seu fluxo de caixa, porém, irá sufocar seu caixa a médio ou longo prazo ainda mais, evitando assim, a cegueira do desespero.
O Governo Federal tenta, a todo custo, manter o mercado de crédito aquecido no Brasil, injetando bilhões de reais na economia. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) já anunciou que suspenderá atos de cobrança e facilitará a renegociação de dívidas em decorrência da pandemia, que é uma boa medida.
Em períodos normais, empresas com poucos históricos de informações, já era complicado obter crédito junto a instituições financeiras e neste momento de incertezas econômicas, a concessão de crédito por instituições privadas, deve diminuir, correndo o risco deste crédito ficar ainda mais caro para o empresariado em geral. O governo brasileiro vem criando ações de protelação de pagamentos, linhas de créditos especiais para diversos setores da economia, em função da pandemia, pois o futuro da economia é incerto. Para isso, decretou estado de emergência para facilitar a liberação de recursos para conter o coronavírus no Brasil.
O Governo também vai antecipar para maio o pagamento da segunda parcela do 13º salário de aposentados e pensionistas do INSS, com o intuito de injetar dinheiro na economia neste momento crítico. Porém, cabe salientar que é apenas um adiantamento das parcelas e não “dinheiro novo” na economia.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou R$147,3 bilhões em medidas e, ao todo, já está chegando ao valor de quase R$ 700 bilhões. Estes números certamente irão aumentar em razão de toda inércia da economia em virtude da pandemia.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), como medida emergencial, comunicou a suspensão de cobrança de empréstimos por seis meses, para tentar reduzir o impacto na economia da pandemia. Ademais, ele irá injetar ao custo de R$ 55 bilhões na economia, em que R$ 5 bilhões serão destinados para micro, pequenas e médias empresas, em linhas de créditos especiais, empresas estas mais afetadas pela Covid-19.
Estas injeções de bilhões na economia, mesmo advindo de linha de crédito para empresas, torna-se muito importante para amenizar as implicações econômicas negativas da crise do coronavírus, pois não se sabe por quanto tempo a economia brasileira precisará ficar estática para conter o avanço da pandemia, e ainda necessitaremos de inúmeras medidas de estímulo na economia para evitar uma quebradeira generalizada em diversos setores e uma perda impetuosa do desemprego.
A Caixa Econômica Federal, também suspendeu o pagamento de dívidas junto a pessoas físicas e jurídicas, em mais um pacote de apoio à economia, reduzindo juros em suas linhas de crédito, seguindo o que adotou o Banco Central, que também cortou a taxa básica, a Selic, passando para atuais 3,75% a.a., a mais baixa da história.
Mesmo com todo o esforço, há urgência na apresentação de alternativas de controle de impactos do vírus que dialoguem também com a economia do Brasil.
Foi publicada a MP 927. Trata-se das “medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calamidade pública” decorrente da crise da Covid-19.
Em breve resumo, a MP: permite a celebração de acordos individuais entre empregador e empregado para manutenção do emprego, com prevalência sobre a Lei ou instrumento coletivo; permite a adoção excepcional, praticamente sem restrições, de instrumentos como o teletrabalho (home-office), antecipação de férias, férias coletivas, e outros; e suspende o recolhimento do FGTS de abril, maio e junho/2020, que poderá ser pago em seis parcelas, a partir de julho. Até aí, medidas pontuais e significantes voltadas para conter o desemprego.
Porém, ainda acredito que são claramente insuficientes, visto que acabamos de enfrentar anos de crise, que tem um peso muito grande para a economia. Acredito ser fundamental que se avance em outros campos, no âmbito dos contratos em geral, da insolvência civil e da insolvência empresarial, que deverá crescer substancialmente.
Certamente estamos vivenciando uma das maiores crises dos últimos tempos, não só do Brasil, mas em todo o planeta. Em momentos como este, em que não temos a certeza de quando tempo irá ser adotado o período de quarentena para a grande maioria da população, impõe-se a adoção de uma série de medidas, notadamente para aliviar o passivo das empresas, entre as quais podemos mencionar, o reconhecimento administrativo de dívidas, devendo ocorrer estruturação de moratórias, ou até mesmo, em situações mais delicadas, com o intuito de salvar empresas ainda viáveis, o eventual pedido de recuperação judicial.
Estas medidas devem ser vistas pelo empresário como alternativas, visando a continuidade da empresa após o término da pandemia, porque ela vai passar, e suas atividades empresariais devem permanecer viáveis e rentáveis. O quanto antes conter a extensão da pandemia do coronavírus, menor será o impacto na atividade econômica e na vida das pessoas.
Neste momento de crise, é fundamental que as empresas se atentem e organizem internamente sua gestão, sua contabilidade e revisem seus contratos que estão em andamento. Desta forma, elas estarão mais preparadas para enfrentar a crise instaurada na economia e aptas para usufruir dos benefícios que a Lei lhes garante, mantendo seus negócios ativos e sólidos.
Analistas da área econômica preveem que o impacto econômico sem precedentes na história recente gerada pela crise do coronavírus tem potencial para gerar uma nova onda de recuperação judicial e extrajudicial no país, em níveis semelhantes aos observados entre os anos de 2015 e 2017, pois muitas empresas se encontram em um momento de retomada de quatro ou cincos anos de crise, reestruturando dívidas, voltando a operar razoavelmente bem, mesmo sem fluxo de caixa forte, principalmente, para ultrapassar crises tão profundas como esta.
Outro setor que preocupa é o agronegócio, em particular, o sucroalcooleiro, fortemente afetado pelo câmbio alto. Grãos e proteínas também tendem a ser impactados, mas, mais diretamente pela redução de consumo, eventualmente, o que é natural neste momento diante da economia paralisada.
Pensando nisso, diante do cenário que se apresenta, resta, iminente a crise econômica, a qual desencadeará em curto e médio prazo, a falência de empresas que não buscarem mecanismos para minimizar perdas, ou manter suas atividades neste momento.
Um dos instrumentos existentes em nosso ordenamento jurídico, que visa impedir a quebra e, com isso, soerguer a empresa em dificuldade, mas viável economicamente, está a recuperação judicial. Este instrumento previsto na Lei 11.101/05 traz ferramentas eficazes para que a empresa que possui viabilidade econômica possa buscar a superação e evitar a falência.
Para concluir, o país, como um todo, precisa urgente promover e reativar a atividade econômica em todo território nacional e em todos os seus setores econômicos, principalmente, para a micro, pequena e média empresa, setores estes que absorvem uma maior fragilidade nestes momentos de forte retração econômica, com imensa dificuldade de se obter linhas de crédito com juros baixos, para se evitar um colapso geral em toda a economia do Brasil, já fragilizada por anos de retração econômica. Mas haverá muitas empresas doentes nesta crise, não há dúvidas. A cura será necessariamente uma massiva ação de turnaround ou pedidos de recuperação judicial.