A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
O litígio submetido ao Superior Tribunal de Justiça envolveu um caso no qual os autores da ação buscaram que fossem declarados nulas tanto a confissão de dívida que a genitora falecida teria com uma das rés herdeiras quanto a dação em pagamento, consistente no recebimento de imóvel para saldar apenas parte dessa dívida; remanescendo ainda valores substanciais que seriam recebidos pela herdeira, noticiados na abertura de inventário.
A ré herdeira informou, na abertura do inventário, que a falecida mãe tinha com ela uma dívida de R$ 77.000,00 (setenta e sete mil reais), que é o remanescente de uma dívida maior, no valor de R$ 430.000,00 (quatrocentos e trinta mil reais).
Essa parte maior da dívida teria sido paga por meio da uma dação em pagamento, que é um meio de pagamento e, assim, exoneração de dívida, caracterizado por existir acordo de vontades, entre credor e devedor, para que este possa saldar o que deve com uma prestação diversa da original .
Assim, a devedora genitora teria pago essa parte maior da dívida por meio da transferência de um imóvel urbano à filha herdeira e seu esposo, ao invés de realizar o pagamento com valor pecuniário, físico ou digital.
O Juízo da Vara de Sucessões da Comarca de Campo Grande, ao analisar o caso, julgou procedente a ação proposta pelos autores sob o fundamento de que não existiu confissão de dívida entre a genitora falecida e a herdeira ré, bem como que a dação em pagamento foi realizada de modo simulado, declarando-as nulas: a confissão de dívida e a dação em pagamento.
O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul apreciou o caso e corroborou o entendimento de que deveria haver a anulação do ato de confissão de dívida realizado pela falecida, declarando inexistentes os valores remanescentes a receber pela herdeira, noticiados na abertura do inventário, bem como declarar simulada e, portanto, nula a dação em pagamento, porém preservando a situação jurídica que ambas queriam dissimular: a doação do imóvel realizada pela genitora falecida em benefício da herdeira ré e do genro.
Ainda, decidiu que deveria ser levado à colação esse imóvel doado apenas para averiguar se foram respeitados os limites da parte disponível pertencentes à doadora falecida, ou seja, observado tal limite a doação seria válida.
Ou seja, a Corte estadual na verdade entendeu que a realização do negócio jurídico simulado de dação em pagamento entre a genitora e a herdeira ré, para ocultar a doação, significa a autorização tácita para a dispensa de colação.
Da análise do recurso especial interposto pelos autores recorrentes, o Superior Tribunal de Justiça foi instado a decidir se “[…] a dispensa de colação pode ser tácita, deduzida do comportamento da mãe ao simular um negócio jurídico de dação em pagamento com o intuito de efetivar a doação do imóvel à filha, ou se deve, obrigatoriamente, ser expressa”.
O Superior Tribunal de Justiça faz uma análise criteriosa sobre a natureza do contrato de doação, compreendendo, dentre alguns aspectos, que, a partir do momento em que o herdeiro necessário ou cônjuge tem uma vantagem patrimonial gerada pelo ascendente de modo desinteressado, passa-se a ser adiantamento de herança, que só poderia existir com o falecimento, ressalvada a hipótese de expressa declaração de que a doação se refere à parte disponível do total bens.
Ainda, expôs que a regra é que as doações sejam noticiadas no momento da abertura da sucessão, para que a igualdade patrimonial seja estabelecida entre os sucessores, ao considerar as vantagens financeiras geradas pelo autor da herança em vida. Isso para evitar que um dos herdeiros seja beneficiado de forma desproporcional em relação aos demais.
A Corte superior interpretou o art. 2.005 do Código Civil no sentido de que o autor da herança pode destinar de modo livre os seus bens a quem desejar, dentro do limite da parte disponível deles. Porém, se essa liberalidade ultrapassar esse limite, é necessário então realizar para o excedente o ato de colação: que, em suma, é o meio pelo qual os herdeiros descendentes beneficiários declaram no inventário as doações que receberam do ascendente em vida, para incluí-las na futura partilha, de modo a garantir que a legítima de cada herdeiro seja respeitada .
Ainda, ao interpretar o art. 2.006 do Código Civil , a Corte superior firmou o entendimento de que a dispensa da colação somente pode ser efetivada de duas maneiras: no testamento ou no instrumento da liberalidade.
Tanto em uma situação quanto na outra, a dispensa da colação deve ser expressa e formalizada por instrumento escrito pelo doador, não se admitindo a sua realização de forma tácita.
A Corte superior ao analisar o caso concreto entendeu que o ato simulado não poderia representar o pressuposto autorizador de dispensa da colação, não só pela ausência da manifestação expressa e formal pela genitora nesse sentido, mas também porque isso representaria a premiação da burla ao regramento sucessório brasileiro; diante disso, determinou-se que o bem doado em benefício da herdeira ré seja submetido à colação.
A partir desse caso, vemos que o Superior Tribunal de Justiça rejeita tentativas de contornar as normas que regem a sucessão no Brasil. Com isso, os tribunais brasileiros devem uniformizar a jurisprudência no sentido de que o ato simulado de negócio jurídico, sobretudo porque no mais das vezes é silente quanto à vontade da dispensa de colação, jamais poderá representar sua autorização, uma vez que esse expediente viola frontalmente o princípio da boa-fé e os arts. 2.005 e 2.006 do Código Civil.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu, no caso analisado, que, por mais que se possa preservar a doação realizada pela genitora falecida à ré herdeira, deve-se colacionar o imóvel doado como adiantamento da legítima, pois não houve manifestação expressa da falecida doadora quanto à dispensa de colação.
A colação, como vemos neste caso concreto submetido à Corte Superior, quase sempre é o resultado de uma doação mal planejada e executada. A doação aos herdeiros, para ser bem-feita, válida e eficaz, deve se submeter às formalidades legais, tendo em perspectiva a possibilidade de implementação de uma cláusula de dispensa de colação por exemplo.
Do contrário, a doação de um bem pelo ascendente para o herdeiro, feita sem a manifestação expressa e formalizada sobre a dispensa de colação, é compreendida como antecipação de herança, trazendo de consequência o que vimos nesse caso submetido ao Superior Tribunal de Justiça: ter de devolver o bem que recebeu antecipadamente, para posterior partilha entre os demais herdeiros.