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Setor Oeste

Document Dump em ações de improbidade administrativa: uma prática a ser combatida

Document Dump em ações de improbidade administrativa: uma prática a ser combatida

22 abr 2025

Heitor Simon Fonseca Pedroso

Na sessão de julgamento da 1ª Turma do STF, acerca do recebimento da denúncia contra o ex-Presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe de Estado, os advogados dos acusados e os ministros usaram termos jurídicos estrangeiros, comuns em grandes investigações criminais, mas pouco conhecidos por profissionais que não atuam na área.

Dentre os estrangeirismos, os advogados dos acusados utilizaram do termo “document dump”. Trata-se de expressão que conceitua a tática (geralmente da acusação) de oferecer um grande volume de documentos, sem a devida organização, com o objetivo de dificultar a análise e o entendimento das partes processuais.

Essa prática não é restrita à seara criminal. Em ações de improbidade administrativa, não é raro deparar com petições iniciais do Ministério Público, acompanhadas de várias folhas de cópias de procedimentos administrativos, nos quais o órgão acusador alega que houve irregularidades que caracterizariam atos ímprobos.

O advogado atuante nessa área certamente já teve que enfrentar uma imensidão de folhas digitalizadas para tentar desvendar quais seriam efetivamente as provas que recaem contra o seu cliente. Isso porque, muitas vezes, o Ministério Público apenas junta as cópias, mas sem desincumbir do seu ônus de concatenar cada documento com cada imputação.

Incumbe ao órgão acusador ao menos apontar na petição inicial quais seriam as provas que demonstrariam o dolo específico do agente, o efetivo dano ao erário, o efetivo enriquecimento ilícito e/ou a violação a princípios da Administração Pública. Lhe incumbe concatenar a imputação feita às provas juntadas, de forma organizada.

A prática de “document dump” prejudica o exercício do direito de defesa, pois não se sabe com exatidão quais seriam as provas contra o réu. O trabalho ou ônus de desvendar as provas não é do advogado do réu, mas do órgão acusador. Ao advogado do réu incumbe responder às provas e imputações que foram indicadas na petição inicial.

O TJ/RJ já teve a oportunidade de manifestar sobre o tema em causa cível:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. HIPOSSUFICIÊNCIA COMPROVADA. REFORMA. SEGREDO DE JUSTIÇA. PUBLICIDADE DOS ATOS PROCESSUAIS. REGRA GERAL. INDEFERIMENTO. 1. Agravo contra decisão proferida em ação indenizatória, indeferindo o requerimento de gratuidade de justiça e a decretação de segredo de justiça, além de determinar a retirada de documentos não devidamente indexados dos autos. […] 5. Determinação de exclusão das peças juntadas em duplicidade e sem a devida indexação. Manutenção. “Document dump” (despejo de documentos). A referida conduta não apenas retarda a análise do processo, na medida em que subtrai do julgador considerável tempo útil tão somente para localizar e identificar elementos específicos nos autos, como prejudica a ampla defesa. Em suma, trata-se de prática nociva à própria substância do devido processo legal, devendo ser coibida pelo juiz PROVIMENTO PARCIAL DO RECURSO. (TJ-RJ – AI: 00960496920218190000, Relator.: Des. CARLOS SANTOS DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 04/05/2022, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 06/05/2022)

A Lei nº 14.230/21 (que alterou a Lei de Improbidade Administrativa – Lei nº 8.429/92) positivou o dever da acusação de apontar na petição inicial os elementos probatórios que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos artigos 9º, 10 ou 11. Vejamos:

Art. 17. A ação para a aplicação das sanções de que trata esta Lei será proposta pelo Ministério Público e seguirá o procedimento comum previsto na Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), salvo o disposto nesta Lei.
[…]
§ 6º A petição inicial observará o seguinte:
I – deverá individualizar a conduta do réu e apontar os elementos probatórios mínimos que demonstrem a ocorrência das hipóteses dos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei e de sua autoria, salvo impossibilidade devidamente fundamentada;
II – será instruída com documentos ou justificação que contenham indícios suficientes da veracidade dos fatos e do dolo imputado ou com razões fundamentadas da impossibilidade de apresentação de qualquer dessas provas, observada a legislação vigente, inclusive as disposições constantes dos arts. 77 e 80 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).
[…]
§ 6º-B A petição inicial será rejeitada nos casos do art. 330 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), bem como quando não preenchidos os requisitos a que se referem os incisos I e II do § 6º deste artigo, ou ainda quando manifestamente inexistente o ato de improbidade imputado.

Muito possivelmente, essa alteração foi uma reação legislativa consciente à prática de “document dump” em ações de improbidade administrativa. O dever imposto ao órgão acusador de individualizar a conduta do réu e de indicar os elementos probatórios se traduz na necessidade de concatenar a imputação feita às provas juntadas.

Ainda, a nova lei ofereceu no § 6º-B uma solução para combater essa prática: rejeição da petição inicial, extinguindo o processo sem resolução de mérito. Poderia ter ido além, tipificando a prática como litigância de má-fé e impondo multa.

Agora, cabe aos magistrados e magistradas a aplicação das novas normas, quando do juízo de prelibação (exame do recebimento da petição inicial), dando-lhes efetividade. Do contrário, o “document dump” continuará sendo uma prática comum em ações de improbidade administrativa, prejudicando o exercício do direito de defesa.