A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
João Victor B. Paiva
Durante um longo período, o Superior Tribunal de Justiça adotava o entendimento de que não era possível a penhora do imóvel quando estivermos diante de execução de despesas condominiais do devedor fiduciante.
O entendimento acima guardava compatibilidade com a regra legal de que o devedor fiduciante não era proprietário do imóvel, mas possuía apenas uma propriedade resolúvel, ou seja, uma expectativa de direito (de ser dono) com o adimplemento religioso da dívida.
O caso que motivou a reviravolta no entendimento até então adotado foi analisado pela Quarta Turma do STJ no Recurso Especial n. 2.059.278 SC. Naqueles autos, o devedor fiduciante deixou de pagar as parcelas condominiais incidentes sobre o imóvel objeto de alienação fiduciária, mas seguia adimplente junto a Instituição Financeira fiduciante.
Diante desse cenário, o condomínio ajuizou ação de cobrança em desfavor do condômino inadimplente, uma vez que esgotadas as buscas por bens do devedor, pediu justamente a penhora do imóvel que se encontrava gravado pela alienação fiduciária.
Ao analisar o pedido o Tribunal de origem negou o pedido, justamente utilizando como argumento a jurisprudência já consolidada do STJ de que o bem alienado fiduciariamente não pertence ao devedor. Diante de tal decisão, o condomínio fez os autos chegarem ao STJ que, ao apreciar o REsp n. 2.059.278/SC, acolheu o pedido de penhora do imóvel alienado fiduciariamente.
Em outra ocasião o Ministro Raul Araújo ao apreciar o AgREsp n. 2.684.988/SP concluiu pela possibilidade de penhora do bem alienado fiduciariamente, mas desde que seja haja a citação do credor fiduciante na execução, bem como lhe seja oportunizado que arque com os débitos de natureza propter rem, porquanto, lhe assegurando o direito de regresso em desfavor do real devedor. Vejamos o trecho da decisão deste recurso citando o julgamento do REsp n. 2.059.278/SC:
“Entendo correta a solução em tal contexto, para um credor comum, o credor normal de um condomínio, naquela situação. Tal credor não poderá penhorar o imóvel do devedor, por estar o bem alienado fiduciariamente ao credor fiduciário, sendo este o titular da propriedade resolúvel da coisa imóvel. Porém, quando o credor do condomínio devedor é o próprio condomínio a solução não se ajusta. É que relativamente ao próprio condomínio-credor, dada a natureza propter rem das despesas condominiais, nos termos do art. 1.345 do Código Civil de 2002, haverá necessidade de se promover a citação, na ação de execução, também do credor fiduciário no aludido contrato para que venha integrar a lide, possibilitando ao titular do direito previsto no contrato de alienação fiduciária quitar o débito condominial existente e, em ação regressiva, tentar obter do devedor fiduciante o retorno de tais valores. A razão para tanto está em que não se pode cobrir o credor fiduciário de imunidade contra dívida de natureza condominial, outorgando-lhe direitos maiores do que aqueles que tem qualquer proprietário. Quer dizer, o proprietário fiduciário não é um proprietário especial, detentor de maiores direitos do que o proprietário comum de imóvel em condomínio edilício”.
Ao analisarmos a decisão concluímos que é certo que equilibrar dois interesses igualmente conflitantes sobre um mesmo imóvel é uma questão demasiadamente complexa. Todavia, muito mais importante do dirimir um conflito de interesses totalmente antagônicos, é o impacto que a decisão gera para o sistema de garantias.
Relator de outro caso afetado, o Ministro Antônio Carlos Ferreira sagrou-se vencido, uma vez que votou pela impenhorabilidade do imóvel objeto de alienação fiduciária.
Para o ministro, as obrigações de natureza propter rem, que vinculam o bem às despesas condominiais, naturalmente cedem diante da afetação do imóvel como garantia de dívida, com a transferência da propriedade resolúvel ao credor fiduciário. Essa vertente, vencida, foi acompanhada pelos ministros Marco Buzzi, Nancy Andrighi e Humberto Martins.
Ora, o poder e às vantagens de uma alienação fiduciária foram por longos anos testada no nosso país, uma vez que sobreviveu nas ocasiões em que um credor procurava expropriar bens de um devedor e se deparava com a impossibilidade de acessar os bens alienados fiduciariamente, porquanto, restando apenas que a penhora recaísse sobre os direitos à propriedade resolúvel desse imóvel.
Ao analisarmos a questão enfrentada, entende-se que o ideal é que o contrato de garantia preveja mecanismos para o adimplemento de dívidas acessórias para a manutenção do instituto da garantia, contando com o acréscimo de tais valores no valor global da dívida contraída.
Por fim, tem-se que o cenário desenhado no precedente aqui citado, nos faz redobrar a atenção aos contratos empresariais que tenham como elemento central a alienação fiduciária, quer seja com a criação de mecanismos que assegurem o adimplemento de obrigações acessórias, ou mesmo com a adoção de outras modalidades de garantia.