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Setor Oeste

A proteção digital da concorrência: uma análise da responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de concorrência desleal

A proteção digital da concorrência: uma análise da responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de concorrência desleal

04 set 2024

    João Victor B. Paiva[1]

 

Em abril de 2024, o Superior Tribunal de Justiça proferiu importante precedente acerca do tema da publicidade digital discutido no Recurso Especial nº 2.096.417/SP, de Relatoria da Eminente Ministra Nancy Andrigh.

Na oportunidade, o STJ se debruçou em um caso em que uma empresa de maneira deliberada agiu para desviar os clientes do concorrente através de meios publicitários pagos no Google Ads, porquanto, vinculou seu nome quando os clientes buscavam pelo concorrente no buscador.

A Terceira Turma do STJ, no referido julgamento, entendeu que a limitação de responsabilidade do provedor de internet, contida no art. 19 do Marco Civil da Internet, não contempla a comercialização de links patrocinados. Vejamos o que diz o referido regramento:

Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário. (…)

No caso submetido à análise do Tribunal Superior, uma empresa ajuizou ação em face da plataforma de buscas na qual foi veiculado determinado anúncio pago. A ação tinha como objetivo impedir que a provedora de busca Google Ads veiculasse anúncios de empresa concorrente, bem como o de compensar os danos decorrentes da concorrência desleal.

No referido julgamento, a Eminente Relatora dispôs em seu voto que “na análise da responsabilidade civil dos provedores de internet por atos de concorrência desleal no mercado de links patrocinados, não é o conteúdo gerado no site patrocinado que origina o dever de indenizar, mas a forma como o provedor de pesquisa comercializa seus serviços publicitários, ao apresentar resultados de busca que fomentem a concorrência parasitária e confundam o consumidor”.

A referida decisão se dá em um cenário de crescente regulação do marketing digital. De acordo com o órgão colegiado, o objetivo do debate não é vedar a publicidade por meio de links patrocinados, mas tão somente a compra do domínio de marca concorrente para aparecer em destaque na publicidade paga.

A partir dessa análise, a Terceira Turma do STJ definiu quando a utilização de anúncios patrocinados configura caso de concorrência desleal. Assim, foram estabelecidas balizas aptas a estabelecer a ilegalidade do anúncio digital veiculado, sendo elas[2]:

  • O buscador deverá permitir a compra da palavra-chave correspondente a marca registrada ou o nome empresarial.
  • O titular da marca ou do nome e o anunciante que se utiliza da palavra-chave no titular devem atuar no mesmo ramo comercial.
  • O uso da palavra-chave pela empresa anunciante deve violar as funções identificadora e de investimento da marca ou do nome empresarial da marca, cujo termo foi adquirido indevidamente.

Acompanhando o voto da Ministra Relatora, a Terceira Turma do STJ reformou o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), para que o provedor fique proibido apenas de vender a palavra-chave a empresas concorrentes, pois a vedação total impediria a própria dona da marca ou empresas de outros ramos de a usarem nos links patrocinados.

A ministra afirmou que a marca de uma empresa não pode ser considerada uma palavra genérica e deve receber tratamento distinto das demais palavras-chave. Segundo ela, apesar de a legislação atual não prever especificamente o mercado de links patrocinados, utilizar a marca como palavra-chave para direcionar o consumidor do produto ou serviço para o link do concorrente configura meio fraudulento.

E concluiu dizendo que “a confusão ocorre, pois o consumidor possui a expectativa de que o provedor de pesquisa apresentará nas primeiras sugestões o link da marca que procura, o que o leva a acessar o primeiro anúncio que aparece“.

Já quanto a responsabilidade do Google Ads, a ministra ressaltou que, no mercado de links patrocinados, “o provedor de pesquisas não é mero hospedeiro de conteúdo gerado por terceiros, mas sim fornecedor de serviços de publicidade digital que podem se configurar como atos de concorrência desleal”.

E continuou dizendo que o buscador “tem controle ativo das palavras-chaves que está comercializando, sendo tecnicamente possível evitar a violação de propriedade intelectual”.

No voto proferido, é possível concluir que o STJ definiu que os danos morais e materiais oriundos da concorrência desleal praticada por meio de links patrocinados são presumidos, bastando que se comprove a prática ilícita para que a indenização seja devida, independentemente de apresentação de prova de prejuízo.

Por fim, verifica-se que o precedente editado pela Terceira Turma do STJ, confere importantes diretrizes para que os direitos de propriedade intelectual estejam protegidos no mercado digital, possibilitando que empresas se valham dos meios judiciais para fazerem cessar práticas de concorrência desleal, bem como serem compensadas dos danos decorrentes de tal prática.  

[1] Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UNIGOIÁS. Especialista em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/RJ. Advogado no escritório Crosara Advogados.

[2] Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/410112/concorrencia-desleal-justica-reprime-empresas-que-usam-concorrentesAcesso em 25 de agosto de 2024.