A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
João Victor Barros Paiva[1]
Começo este informativo, destacando o papel cívico desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal, que no dia 04 de julho do corrente ano julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 708 (ADPF 708), apenas uma das ações da chamada “pauta verde” e que trata de litigâncias climáticas, tema tão em voga principalmente com o advento da agenda ESG – Environmental, Social e Governance[2].
A ação ajuizada em conjunto pelos partidos PSB, PT, PSOL e REDE no ano de 2020 alegava que a União vinha reiteradamente descumprindo suas obrigações climáticas, e as políticas de contenção ao aquecimento global, mediante total paralisia no Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima, editado pela Lei Federal nº 12.114/09, incluído na Política Nacional sobre Segurança Climática pela Lei Federal nº 12.187/09, bem como ao reiterado descumprimento das obrigações celebradas pelo Brasil no Acordo de Paris.
No julgamento ocorrido na data acima referenciada, o Eminente Ministro Luís Roberto Barroso destacou em seu voto que “não há direitos humanos em um planeta morto ou doente”[3], e que tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de envergadura supranacional. Logo, não há como a União optar juridicamente em simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas, vez que não se trata de ato discricionário. Vejamos:
(…)
(…)
Ato contínuo, o ministro reconheceu que de fato durante o ano de 2019, e parte de 2020, o Fundo do Clima ficou praticamente inoperante, uma vez que o Executivo Federal não teria nomeado o Comitê Gestor do Fundo, pois o Executivo pretendia alterá-lo no sentido de privilegiar a participação do setor privado, mas em detrimento da composição por experts e sociedade civil.
O Ministro Kássio Nunes Marques foi o único em divergir do entendimento dos demais ministros, utilizando apenas do raso argumento de que o Fundo Clima era apenas mais um dos vários instrumentos à disposição da União para execução da política pública de proteção ao meio ambiente. Logo, o ministro constou em seu voto não ter verificado a omissão da União na gestão do fundo em referência.
Por outro lado, o voto do Eminente Ministro Edson Fachin, com ampla base científica e doutrinária, foi além ao ressaltar a necessidade de publicação de relatórios estatísticos trimestrais sobre o percentual de alocação dos recursos do Fundo do Clima em cinco seguimentos (energia; indústria; agropecuária; uso da terra; mudança no uso da terra, das florestas e dos resíduos) e para que formulasse, com certa periodicidade, o Inventário Nacional de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa[4].
Em síntese, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, e contando apenas com o voto divergente, porém vencido do Ministro Kássio Nunes Marques, assim decidiu:
Ato contínuo, não se pode deixar de considerar a vitória histórica no Supremo Tribunal Federal ao atribuir neste mesmo julgamento, que o Acordo de Paris possui posição hierárquica superior às normas infraconstitucionais, outorgando-lhe, portanto, caráter supralegal. Logo, o raciocínio estaria em consonância com o disposto no art. 5º, §2º da CF/88[5].
A fundamentação da decisão, tanto no voto-relator do Ministro Luís Roberto Barroso quanto no voto-vogal do ministro Luiz Edson Fachin, consolida e fortalece a orientação jurisprudencial já vislumbrada em outros julgados do STF ao se valer de um diálogo com a jurisprudência recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em matéria de direito ambiental[6].
Na prática, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) permite que juízes, inclusive de ofício, conforme entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculativo ao Brasil[7], – realizem o denominado “controle de convencionalidade”, de leis e atos normativos que destoam dos tratados internacionais em matéria climática/ambiental.
Inclusive, é necessário mencionar a Recomendação CNJ nº 123/2022 neste mesmo sentido, ao dispor sobre a necessidade dos órgãos do Poder Judiciário observarem os tratados e convenções que versem sobre direitos humanos, bem como a própria jurisprudência da Corte IDH, reforçando, portanto, o controle de convencionalidade das leis internas.
Além da ADPF 780, os mesmos partidos também ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 59 (ADO 59), com a finalidade de reconhecer o estado de coisas inconstitucional em relação a atitude deliberada da União em congelar cerca de R$ 3,2 bilhões do Fundo Amazônia.
A ADO 59, inclusive também integra dentre outras ações a chamada pauta verde, uma vez que tem como objetivo compelir a União em adotar medidas para alocar os recursos do Fundo Amazônia, justamente nas políticas de proteção ao meio ambiente na Amazônia Legal. O julgamento da ADO 59, foi incluído na pauta do STF neste semestre, e considerando a relevância do tema, é bem provável que tenhamos um novo precedente climático em breve.
Por fim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 708, criou riquíssimo precedente para o direito ambiental, pois decidiu como consequência da controvérsia a questão da mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, bem como decidiu com precisão e equilíbrio, caso de litigância climática da mais alta complexidade e que, de agora em diante, servirá como decisão paradigmática pelo Sistema de Justiça brasileiro, porquanto, enriquecendo o debate também para outros litígios, inclusive internacionais envolvendo a pauta verde.
[1]. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UNIGOIÁS. Pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP. Advogado integrante da banca Crosara Advogados.
[2]. PAIVA, João Victor Barros. A adoção da agenda ESG pelo mundo corporativo e o papel da advocacia na sua consolidação. Crosara Advogados, 2022. Disponível em: https://www.crosara.adv.br/2022/06/03/a-adocao-da-agenda-esg-pelo-mundo-corporativo-e-o-papel-da-advocacia-na-sua-consolidacao/. Acesso em 16 set 2022.
[3]. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF proíbe contingenciamento dos recursos do Fundo Clima. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=489997&ori=1.
[4]. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF proíbe contingenciamento dos recursos do Fundo Clima. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=489997&ori=1. Acesso em 16 de set 2022.
[5]. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…) 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.
[6]. Opinião Consultiva nº 23/2017 sobre Meio Ambiente e Direitos Humanos e Caso Comunidades Indígenas Miembros de la Associación Lhaka Honhat (Nuestra Tierra) vs. Argentina (2020).
[7]. (STJ, AgRg no Recurso em HC 136.961/RJ, 5ª T., rel. min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15/6/2021).