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Precedentes climáticos e a pauta verde: o papel do Supremo Tribunal Federal na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado

Precedentes climáticos e a pauta verde: o papel do Supremo Tribunal Federal na defesa do meio ambiente ecologicamente equilibrado

27 set 2022

João Victor Barros Paiva[1]

 

Começo este informativo, destacando o papel cívico desempenhado pelo Supremo Tribunal Federal, que no dia 04 de julho do corrente ano julgou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 708 (ADPF 708), apenas uma das ações da chamada “pauta verde” e que trata de litigâncias climáticas, tema tão em voga principalmente com o advento da agenda ESG – Environmental, Social e Governance[2].

A ação ajuizada em conjunto pelos partidos PSB, PT, PSOL e REDE no ano de 2020 alegava que a União vinha reiteradamente descumprindo suas obrigações climáticas, e as políticas de contenção ao aquecimento global, mediante total paralisia no Fundo Nacional sobre Mudanças do Clima, editado pela Lei Federal nº 12.114/09, incluído na Política Nacional sobre Segurança Climática pela Lei Federal nº 12.187/09, bem como ao reiterado descumprimento das obrigações celebradas pelo Brasil no Acordo de Paris.

No julgamento ocorrido na data acima referenciada, o Eminente Ministro Luís Roberto Barroso destacou em seu voto que “não há direitos humanos em um planeta morto ou doente[3], e que tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de envergadura supranacional. Logo, não há como a União optar juridicamente em simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas, vez que não se trata de ato discricionário. Vejamos:

(…)

  1. Ao contrário do que alegam a Presidência da República e a Advocacia-Geral da União, a questão pertinente às mudanças climáticas constitui matéria constitucional. Nessa linha, o art. 225, caput e parágrafos, da Constituição estabelece, de forma expressa, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo ao Poder Público o poder-dever de defendê-lo, preservá-lo e restaurá-lo, para presentes e futuras gerações. Portanto, a tutela ambiental não se insere em juízo político, de conveniência e oportunidade, do Chefe do Executivo. Trata-se de obrigação a cujo cumprimento está vinculado.
  1. Na mesma linha, a Constituição reconhece o caráter supralegal dos tratados internacionais sobre direitos humanos de que o Brasil faz parte, nos termos do seu art. 5º, § 2º. E não há dúvida de que a matéria ambiental se enquadra na hipótese. Como bem lembrado pela representante do PNUMA no Brasil, durante a audiência pública: “Não existem direitos humanos em um planeta morto ou doente” (p. 171). Tratados sobre direito ambiental constituem espécie do gênero tratados de direitos humanos e desfrutam, por essa razão, de status supranacional. Assim, não há uma opção juridicamente válida no sentido de simplesmente omitir-se no combate às mudanças climáticas.

(…)

Ato contínuo, o ministro reconheceu que de fato durante o ano de 2019, e parte de 2020, o Fundo do Clima ficou praticamente inoperante, uma vez que o Executivo Federal não teria nomeado o Comitê Gestor do Fundo, pois o Executivo pretendia alterá-lo no sentido de privilegiar a participação do setor privado, mas em detrimento da composição por experts e sociedade civil.

O Ministro Kássio Nunes Marques foi o único em divergir do entendimento dos demais ministros, utilizando apenas do raso argumento de que o Fundo Clima era apenas mais um dos vários instrumentos à disposição da União para execução da política pública de proteção ao meio ambiente. Logo, o ministro constou em seu voto não ter verificado a omissão da União na gestão do fundo em referência.

Por outro lado, o voto do Eminente Ministro Edson Fachin, com ampla base científica e doutrinária, foi além ao ressaltar a necessidade de publicação de relatórios estatísticos trimestrais sobre o percentual de alocação dos recursos do Fundo do Clima em cinco seguimentos (energia; indústria; agropecuária; uso da terra; mudança no uso da terra, das florestas e dos resíduos) e para que formulasse, com certa periodicidade, o Inventário Nacional de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa[4].

Em síntese, o plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria, e contando apenas com o voto divergente, porém vencido do Ministro Kássio Nunes Marques, assim decidiu:

  • Reconhecer que a União foi omissa na alocação dos recursos do Fundo Clima, já que por ato deliberado do Executivo, acabou optando por paralisar o funcionamento do Fundo Clima por todo o ano de 2019, e parte de 2020.
  • Determinar que a União se abstenha de criar obstáculos ao funcionamento do Fundo do Clima, ou crie embaraços no repasse de recursos.
  • Vedar o contingenciamento de recursos do Fundo do Clima, fixando ainda a seguinte tese de julgamento: o Poder Executivo tem o dever constitucional de fazer funcionar e alocar anualmente os recursos do Fundo Clima, para fins de mitigação das mudanças climáticas, estando vedado seu contingenciamento, em razão do dever constitucional de tutela ao meio ambiente (CF, art. 225), de direitos e compromissos internacionais assumidos pelo Brasil (CF, art. 5º, par. 2º), bem como do princípio constitucional da separação dos poderes (CF, art. 2º c/c art. 9º, par. 2º, LRF)”.

Ato contínuo, não se pode deixar de considerar a vitória histórica no Supremo Tribunal Federal ao atribuir neste mesmo julgamento, que o Acordo de Paris possui posição hierárquica superior às normas infraconstitucionais, outorgando-lhe, portanto, caráter supralegal. Logo, o raciocínio estaria em consonância com o disposto no art. 5º, §2º da CF/88[5].

A fundamentação da decisão, tanto no voto-relator do Ministro Luís Roberto Barroso quanto no voto-vogal do ministro Luiz Edson Fachin, consolida e fortalece a orientação jurisprudencial já vislumbrada em outros julgados do STF ao se valer de um diálogo com a jurisprudência recente da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em matéria de direito ambiental[6].

Na prática, o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) permite que juízes, inclusive de ofício, conforme entendimento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, vinculativo ao Brasil[7], realizem o denominado “controle de convencionalidade”, de leis e atos normativos que destoam dos tratados internacionais em matéria climática/ambiental.

Inclusive, é necessário mencionar a Recomendação CNJ nº 123/2022 neste mesmo sentido, ao dispor sobre a necessidade dos órgãos do Poder Judiciário observarem os tratados e convenções que versem sobre direitos humanos, bem como a própria jurisprudência da Corte IDH, reforçando, portanto, o controle de convencionalidade das leis internas.

Além da ADPF 780, os mesmos partidos também ajuizaram a Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 59 (ADO 59), com a finalidade de reconhecer o estado de coisas inconstitucional em relação a atitude deliberada da União em congelar cerca de R$ 3,2 bilhões do Fundo Amazônia.

A ADO 59, inclusive também integra dentre outras ações a chamada pauta verde, uma vez que tem como objetivo compelir a União em adotar medidas para alocar os recursos do Fundo Amazônia, justamente nas políticas de proteção ao meio ambiente na Amazônia Legal. O julgamento da ADO 59, foi incluído na pauta do STF neste semestre, e considerando a relevância do tema, é bem provável que tenhamos um novo precedente climático em breve.

Por fim, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADPF 708, criou riquíssimo precedente para o direito ambiental, pois decidiu como consequência da controvérsia a questão da mitigação das emissões dos gases de efeito estufa, bem como decidiu com precisão e equilíbrio, caso de litigância climática da mais alta complexidade e que, de agora em diante, servirá como decisão paradigmática pelo Sistema de Justiça brasileiro, porquanto, enriquecendo o debate também para outros litígios, inclusive internacionais envolvendo a pauta verde.

 

[1]. Graduado em Direito pelo Centro Universitário de Goiás – UNIGOIÁS. Pós-graduando em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas – FGV/SP. Advogado integrante da banca Crosara Advogados.

[2]. PAIVA, João Victor Barros. A adoção da agenda ESG pelo mundo corporativo e o papel da advocacia na sua consolidação. Crosara Advogados, 2022. Disponível em: https://www.crosara.adv.br/2022/06/03/a-adocao-da-agenda-esg-pelo-mundo-corporativo-e-o-papel-da-advocacia-na-sua-consolidacao/. Acesso em 16 set 2022.

[3]. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF proíbe contingenciamento dos recursos do Fundo Clima. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=489997&ori=1.

[4]. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. STF proíbe contingenciamento dos recursos do Fundo Clima. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=489997&ori=1. Acesso em 16 de set 2022.

[5]. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…) 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte.

[6]. Opinião Consultiva nº 23/2017 sobre Meio Ambiente e Direitos Humanos e Caso Comunidades Indígenas Miembros de la Associación Lhaka Honhat (Nuestra Tierra) vs. Argentina (2020).

[7]. (STJ, AgRg no Recurso em HC 136.961/RJ, 5ª T., rel. min. Reynaldo Soares da Fonseca, j. 15/6/2021).