A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
Artur Henrique Bahia Azevedo[1]
A necessidade de uma política sustentável de ordenamento territorial, que atue no sentido de coibir a exploração predatória do parcelamento do solo em benefício exclusivo do interesse privado, tem feito com que o uso do solo esteja cada vez mais sendo discutido e pensado no âmbito dos legislativos municipais.
Essa mudança de posicionamento fez surgirem novas modalidades de uso e ocupação do solo, com dinâmicas funcionais até então pouco conhecidas, por exemplo, mesclando características urbanas com caminhos rurais. O mercado imobiliário brasileiro então se deparou com uma nova modalidade de ocupação do solo, denominada, na maioria dos municípios que já implementaram, de zona “rururbana”.
De forma comezinha, as chamadas zonas “rururbanas” compreendem um espaço territorial de uma cidade ou zona metropolitana, normalmente localizado em meio às paisagens naturais, que têm como diferencial a permissão para ocupação urbana mesclada com a produção primária.
A ideia original para a concepção desse novo zoneamento era justamente fomentar uma ocupação sustentável do local, concentrando atividades de cunho rural, agroecologia, pequenas indústrias de transformação, pequenas criações de animais, a exploração de minerais para a construção civil e até mesmo o turismo, a depender da regulamentação, tudo visando também a proteção ambiental de um determinado espaço.
Geralmente previstas no plano diretor e em leis que cuidam do uso do solo (leis que regulam o parcelamento e o uso e ocupação do solo), as chamadas zonas rururbanas têm sido criadas por vários municípios, inclusive em grandes capitais, a exemplo de Belo Horizonte e Porto Alegre. No estado de Goiás, o grande exemplo desse tipo de ocupação fixou-se no Município de Aparecida de Goiânia, que criou a zona rururbana e agregou esta em um antigo plano de conservação do Parque das Serra das Areias.
Embora cada Município possa estabelecer regras próprias de ocupação para essas zonas (índices de ocupação, construção, infraestrutura e etc), permitindo-se, por exemplo, sítios de lazer, chácaras etc, um aspecto é comum em todos eles: a impossibilidade de serem implementados loteamentos da forma convencional, ou seja, conforme regras gerais previstas na Lei Federal de Parcelamento de Solo (Lei 6.766/79), uma vez tratar-se aquela de modalidade de ocupação eminentemente urbana.
Em razão disso, natural esperar que esse tipo de ocupação tenha se tornado alvo de muitas dúvidas e até críticas pelo setor imobiliário. Não se pode ignorar que a expansão territorial urbana e o crescimento das cidades efetivamente acontecem pela implantação de loteamentos, puxada na intensidade pelas políticas de moradia e, também, por alterações legislativas que impactem a estrutura de organização urbana.
Mas essas críticas não se direcionam ao objetivo em si desse novo tipo de zoneamento, ou seja, fomentar uma ocupação sustentável. O que tem sido alvo de dúvidas e questionamentos, de cunho até mesmo jurídico, é a transformação em rururbana de áreas que já são eminentemente urbanas.
Em alguns casos, por exemplo, tornaram-se rururbanas áreas onde já havia até mesmo loteamentos urbanos aprovados, vários deles com infraestrutura já instalada, conforme exigido pela Lei Federal n. 6.766/79.
Nesse exemplo, o que existe é um ato de verdadeira expropriação da área pelo poder público, notadamente em razão da acentuada limitação de uso e gozo advinda da alteração de zoneamento, isso sem contar a questão econômica e tributária. Para se ter uma ideia, não são raros os casos onde os Municípios cobram o IPTU dessas áreas.
Mas o impacto mais relevante é mesmo o social. Estando “urbanizadas”, mas não sendo consideradas urbanas por lei, essas áreas têm sido abandonadas pelo poder público, tornando-se um local alternativo para o assentamento de núcleos habitacionais clandestinos (loteamentos irregulares), desatendidos com relação ao fornecimento de água, esgoto, energia elétrica, coleta de lixo e outros serviços essenciais.
De modo geral, a ideia das chamadas áreas rururbanas é elogiável, assim como deve ser toda e qualquer inovação legislativa voltada a favorecer uma política mais sustentável de uso e ocupação do solo.
No entanto, os municípios deveriam se planejar melhor com relação à indicação e parametrização dessas áreas. A natureza de uma zona de ocupação deve corresponder minimamente à utilização que já lhe é dada na prática, isso sem deixar de lado a expectativa futura de crescimento da cidade.
Da forma como tem sido concebido em alguns lugares, além de não atingir o objetivo de crescimento sustentável, a implementação de áreas rururbanas está fomentando um crescimento habitacional desordenado, significando retrocesso ao crescimento e desenvolvimento urbano, econômico e social das cidades, sendo empecilho até mesmo para a efetivação de políticas públicas essenciais (saneamento, por exemplo), o que não é desejável.
[1] Advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Federal de Goiás. É sócio do escritório Crosara Advogados na cidade de Goiânia, atuando na área Cível.