A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
Guilherme Franco Ribeiro[1]
RESUMO:
O artigo visa estabelecer as consequências da corrupção no meio social, tratando-a como verdadeira mais-valia, de modo que retira da sociedade os direitos e garantias que lhes são de direitos, tendo em conta o desenfreado comprometimento da máquina pública. Ainda, busca analisar a continuidade dessa problemática no âmbito do Poder Judiciário que em diversas ocasiões profere julgamentos com extremo subjetivismo, fato que, a longo prazo, também é capaz de provocar maiores danos ao erário público. Logo, como ponto fulcral, visa exaltar a crítica hermenêutica do direito contra o solipsismo judicial, precipuamente no que tange às decisões envolvendo a corrupção pública e privada.
Palavras-chave: Corrupção. Mais-valia. Solipsismo.
Inicialmente, antes de adentrarmos especificamente na estrutura basilar deste artigo, se faz imprescindível conceituarmos a “corrupção” em seu sentido lato, objetivando elucidar as vicissitudes de sua manifestação no âmbito social.
De maneira singela, estapode ser definida como sendo a deturpação de padrões éticos, morais e de bons costumes que permeiam o meio social, difundida por meio da percepção da ausência de punibilidade. Não obstante a longínqua possibilidade de se ver penalizado, alimentando o ciclo vicioso em que o agente integra, o que propicia na disseminação desse mal no espaço público, bem como no espaço privado.
Destarte, o ato corruptivo denota da busca individual na sobreposição de interesses, de modo que aquele que o pratica, procura em sua maioria, um proveito pessoal em contraposição ao desaproveito social. Parte, por conseguinte, de uma lógica amparada pelo egocentrismo, calcada no aproveitamento individual.
Nitidamente que esse ato atinge diretamente a sociedade como um todo, visto que reduz demasiadamente os direitos constitucionais nos quais deveriam, teoricamente, serem garantidos a todos os cidadãos – fato que por si só demonstra a mais-valia que se pretende discorrer neste artigo.
Com o designo de explicar melhor essa questão, se faz necessário retornamos nossa análise à Revolução Industrial, objetivando construirmos um paralelo existente na mais-valia manifestada à época, com esta que se observa mediante a prática da corrupção.
De pronto, é factível que esse estudo nos cause certa estranheza, todavia, será evidenciado o ponto nodal dessa problemática traga por Marx, a fim de esclarecer a analogia pretendida, e demonstrar efetivamente como a mais-valia pode ser observada em outros âmbitos, que não seja no processo laboral.
Pois bem. Como se sabe, em momento anterior ao processo de industrialização, a produção estava centralizada nas mãos de produtores individuais, sendo sua subsistência atrelada diretamente ao seu meio de produção, mesmo que de maneira arcaica e manual. Desse modo, a produção e as horas trabalhadas derivavam um resultado financeiro proporcional, concentrado inteiramente nas mãos do produtor individual. Em outras palavras, aquilo que era dispendido por meio do trabalho, era obtido futuramente em pecúnia, havendo, com isso, uma relação de proporcionalidade entre produção e o resultado.
Anos depois, a estrutura de fabricação fora demasiadamente alterada, em razão do processo de industrialização, desencadeando novo arranjo de montagem e produção. Surge, nesse período, o uso de grandes maquinários, capazes de aumentar consideravelmente a quantidade e a velocidade do resultado da produção – o que fez substituir boa parte da mão de obra humana.
Além disso, o dono desse organismo industrial possuía um aporte financeiro considerável, tendo consequentemente a redução no gasto na construção do produto final, o que refletia sobremaneira no seu preço de venda.
Como consequência desse novo arranjo, aquele trabalhador acostumado a produzir com seus instrumentos manuais, se viu impossibilitado em concorrer com os novos produtores, não tendo outra escolha, senão oferecendo a sua mão de obra ao grande produtor.
Quando o antigo produtor individual passa a trabalhar para o grande produtor industrial, percebemos uma patente alteração no arquétipo produtivo daquela sociedade, tendo em vista que o empregado não obtém mais um retorno financeiro proporcional daquilo que era dispendido com seu trabalho, ficando boa parte desse capital com os donos do meio de produção. A moeda que, por sua vez, deveria estar nas mãos do empregado que produz, por ser dele de direito, irá diretamente para seu empregador, havendo, com isso, uma desproporcionalidade no resultado final.
Logo, essa disparidade que havia no processo de industrialização é denominada de mais-valia. Nas palavras do filósofo e sociólogo Karl Marx “o estado em que o trabalhador se apresenta no mercado como vendedor de sua própria força de trabalho deixou para o fundo dos tempos primitivos (…)”.[2]
Portanto, o produtor que antes sozinho conseguia manter sua família, com o processo de industrialização acaba sendo consumido pelas necessidades de sua subsistência.
Neste aspecto, percebe-se que a mais-valia se caracteriza – neste contexto – pelo afastamento do capital daquele que concebeu o produto final, possuindo uma ínfima porcentagem frente ao robusto aporte financeiro conquistado pelo o dono da produção. Como consequência, o empregado afunda-se completamente na sua própria miséria, construída por um sistema capitalista sem precedentes.
Diante todo exposto, após uma estruturação do que seria a mais-valia, resta necessário fazer um paralelo dessa manifestação com a corrupção – inserida dentro da macrocriminalidade.
Como dito em linhas anteriores, a corrupção consiste na deturpação de um ambiente social coletivo em proveito individual, de maneira a alimentar um raciocínio pautado no estrito individualismo. Assim, a mais-valia surgirá a partir desse organismo singular, por meio do envolvimento capital público, retirando da sociedade tudo aquilo que lhe é de direito, ou seja, direitos públicos – incluindo pecúnia – transportando esse capital para as mãos de um ou poucos indivíduos, fato que dará ensejo à mais-valia social.
Cumpre destacar que os direitos supramencionados são frutos de um trabalho conjunto da sociedade como um todo. Logo, o que se espera em contrapartida é a manutenção de direitos previstos constitucionalmente à sociedade, assegurando com isso a manutenção de Direitos Fundamentais previstos nas Constituição Federal de 1988. O cidadão contribui com o Estado, intentando obter um resultado proporcional dele (Estado), no que tange a educação, saúde, transporte, segurança pública, dentre outros.
Todavia, em razão de atos imorais e antiéticos que buscam o proveito econômico singular, a verba destinada para esses direitos, vão para as mãos de um ou poucos que praticam tais ações.
Analisando essa conduta podemos enquadrá-la como verdadeira mais-valia absoluta, visto que a contribuição da sociedade não chega até ela e, quando chega, ocorre de maneira ínfima e desproporcional. Posto isso, não é desarrazoado afirmarmos que a corrupção nos faz viver uma constante mais valia absoluta, por estarmos imersos em uma macrocriminalidade que diariamente sugam direitos da coletividade. Como consequência disso, boa parte do país vive em um constante estado de pobreza e desigualdade social.
De modo a reprimir essa manifestação, possuímos como aspecto “repressivo/ punitivo”, ações do Poder Judiciário que, mediante sua função julgadora aplica a legislação vigente, com o fito de obstar (teoricamente) a disseminação da corrupção no universo social.
No entanto, pelo contrário, nos deparamos com um judiciário que exalta seu subjetivismo, fato que coloca em questão um “livre convencimento motivado deturbado”, ocasionando o chamado solipsismo judicial.
Conceitualmente, este termo dispõe de concepção filosófica em que o mundo e o conhecimento estão submetidos à consciência do sujeito. Em outras palavras, o indivíduo se assujeita o mundo conforme seu ponto de vista interior, sua concepção estritamente subjetiva sobre determinada questão.
Transportando essa análise para o universo jurídico, o sujeito solipsista no Direito, age de modo autoritário, porque está escorado em uma institucionalidade. A presente terminologia costuma se aparar à figura do julgador em que deixa suas impressões individuais sobreporem à legalidade e ao conjunto probatório, diante de determinado caso a ser julgado.
Nos casos envolvendo a corrupção, o solipsimo judicial torna-se um agravante às problemáticas ocasionadas a sociedade, visto que, quando o Poder Judiciário julga determinado caso (envolvendo corrupção) amparado em demasiado subjetivismo, extrapola suas funções, fato que provoca uma mácula no decisum, que poderá dar ensejo a nulidades que oneram ainda mais a máquina pública.
Cabe salientar que, apesar da necessidade desses crimes serem fortemente reprimidos, se faz necessário ser sopesado a necessidade de se aplicar a legalidade e o correto estudo probatório do caso, a fim de que futuros manejos processuais não anulem decisões anteriormente proferidas, motivando concomitante, marcos prescricionais e a ausência de punição do sujeito ativo desses crimes.
Nos últimos tempos, percebemos decisões judiciais demasiadamente influenciadas pelo clamor popular, fato nitidamente reprovável. Como dito em linhas anteriores, qualquer crime, tanto em sua acepção “macro” ou “micro”, devem ser reprimidos pelo Poder Judiciário, no entanto, sem qualquer ilegalidade.
A subjetividade no julgamento, trata-se de um fator totalmente lesivo à população, causando, assim como a prática da corrupção em si, um agravamento da mais-valia social anteriormente mencionada. Explico.
As decisões judiciais, quando aparada em subjetividade, afasta por completo a legalidade, o que fatalmente afasta eventual punição ao sujeito ativo do crime, dando azo a futuras matérias de defesas capazes de anularem a decisão inicialmente proferida. Diante infindável deslinde processual, questões relativas à prescrição possuem grande probabilidade de serem deparadas futuramente.
A impunidade proporciona um congelamento ou mesmo uma agudeza nessa mais-valia social, dando continuidade às problemáticas que a corrupção desencadeia à sociedade. O caráter punitivo do Judiciário visa diminuir ou mesmo extinguir essa mais-valia, dando aos cidadãos direitos que lhes foram eventualmente retirados. Quando as decisões se mostram ineficazes ou tornam-se nulas em momentos futuros (por julgados destoante com padrões de legalidade), temos uma permanência dessa mais-valia ou, até mesmo, seu aumento.
Julgados que punem o réu de maneira não condizente com a legalidade, ocasiona o direito (do réu) em solicitar do Estado eventual reparação. Isso nos leva a retirar “o capital” pertencente à sociedade, para ressarcir o erro judicial decorrente de seu solipsismo deliberado.
Em vista disso, a mais-valia social avaliada em linhas anteriores decorre de duas problemáticas: 1) da corrupção propriamente dita, que retira da sociedade o “capital” que lhe é de direito e; 2) o subjetivismo das decisões, que proporcionam uma permanência na problemática da corrupção ou mesmo acentua essa celeuma, considerando que a impunidade ou mesmo a ilegalidade nas decisões, fatalmente são capazes de aumentar a manifestação dessa mais-valia.
Conclui-se, portanto, que a corrupção, para que seja de fato obstada, se faz necessário um procedimento íntegro, probo e correto, tendo em seu âmago em decisões com caráter punitivo e sancionador, sustentadas em padrões de legalidade, objetivando não dar abertura para um direito reverso do sujeito ativo do ato de corrupção.
Obviamente que devemos reprimir a corrupção em todos os meios em que ela manifesta, todavia, isso não pode ser feito por meio de injustiças. Não se faz justiça com injustiça.
Assim, a corrupção em conjunto com o solipsimo judicial são questões que potencializam os nefastos fatores que impossibilitam o Estado em cumprir os direitos que deveriam ser assegurados aos cidadãos. Portanto, se faz imprescindível mecanismos com intuito de prevenir esse câncer social (corrupção), bem como mecanismos eficazes para reprimir os males causados à sociedade.
Com isso, teremos meios de impedir o aumento dessa mais-valia social, garantindo aos cidadãos uma proporcionalidade quanto aos direitos que teoricamente deveriam usufruírem, diminuindo problemáticas que rotineiramente nos deparamos no arquétipo social do país.
[1] Graduado Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO), foi pesquisador bolsista de Iniciação Científica pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Integrou o Grupo de Estudos em Teorias das Justiças da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP). Atualmente, compõe o quadro de pesquisadores do Grupo de Pesquisa em Direito Administrativo Sancionador do IDP.
[2] KARL MARX. Capital: Mercadoria, valor e Mais Valia. Coleção Economia Política. Edições LeBook. p.919.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco, Improbidade Administrativa, 1ª ed., 2ª tiragem, Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2003.
KARL MARX. Capital: Mercadoria, valor e Mais Valia. Coleção Economia Política. Edições LeBook
MENDES, Bruno Cavalcanti Angelin. SEGUNDO, Elpídio Paiva Luz . Diálogos Sino-Luso-Brasileiros Sobre Jurisdição Constitucional e a Crítica Hermenêutica do Direito de Lenio Luiz Streck. Editora JusPodivm, 2018.
ROCHA FURTADO, Lucas. As Raízes da corrupção: estudos de caos e lições para o futuro. 2012. 499. F. Tese de Doutorado na Universidad de Salamanca, Derecho Administrativo, Financiero Y Procesal, Salamanca, 2012.
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