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As coligações majoritárias e a possibilidade de doação a partidos coligados nas eleições de 2020

As coligações majoritárias e a possibilidade de doação a partidos coligados nas eleições de 2020

11 jun 2021

Pedro Lucas Ferrari[1]

RESUMO

Com a publicação da Emenda Constitucional nº 97 de 2017, as coligações para as eleições proporcionais de 2020 em diante foram extintas, sendo admitida apenas a formação de coligações para as Eleições Majoritárias. Tal fato criou diversas incongruências que comprometem a segurança jurídica para o período eleitoral, em especial a possibilidade de elaboração de material conjunto e a doação entre candidatos da coligação majoritária e candidatos da coligação proporcional. O presente artigo pretende narrar as duas principais posições doutrinárias sobre o tema.


Desde a sua regulamentação, com a publicação da Emenda Constitucional nº 52 de 2006, as coligações eram amplamente admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.

Ocorre que, na medida que as eleições foram ocorrendo, percebeu-se que havia um interesse coletivo para a extinção de coligações, especialmente para garantir a lisura e idoneidade do pleito eleitoral.

Com o fito de auxiliar a discussão, importante compararmos a redação dada pela Emenda Constitucional nº 52 de 2006 do §1º do artigo 17 da Constituição Federal e as suas mudanças ocasionadas pela Emenda Constitucional nº 97 de 2017:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos:

I – caráter nacional;

II – proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes;

III – prestação de contas à Justiça Eleitoral;

IV – funcionamento parlamentar de acordo com a lei.

Redação Emenda Constitucional nº 52/2006:

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Redação Emenda Constitucional nº 97/2017:

§ 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna e estabelecer regras sobre escolha, formação e duração de seus órgãos permanentes e provisórios e sobre sua organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações nas eleições majoritárias, vedada a sua celebração nas eleições proporcionais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária.

Cumpre ressaltar que a democracia exige, por princípio, a convergência de ideias e princípios diversos. Em uma democracia saudável, a pluralidade de ideias é vista como algo positivo que, em conjunto com outras formas de pensar, convergem para estabelecer uma forma de governar.

O político habilidoso, em especial, nas democracias liberais, consegue atrair um maior número de apoiadores possíveis, ainda que alguns deles tenham ideias absolutamente divergentes. Não se trata de uma traição à princípios, mas, sim, numa presunção de que na pluralidade de ideias existe uma maior governabilidade de uma sociedade mais evoluída.

No Brasil é possível se constatar que diversos políticos possuem uma grande capacidade de convergir ideias e interesses. Tais políticos conseguem angariar uma grande quantidade de partidos políticos para comporem o que se chama de “base política”.

É muito comum que partidos políticos apoiem candidatos de outros partidos com o intuito de comporem a base de governo. O objetivo é se beneficiar tanto nas eleições, como na aprovação de pautas quando o candidato apoiado for eleito.

Nas eleições, a relação é de mútuo favorecimento. Mesmo não possuindo candidato próprio, os partidos que se coligaram a outros partidos nas eleições majoritárias usam da popularidade dos candidatos para se favorecerem eleitoralmente com o apoio.

Por outro lado, os candidatos nas eleições majoritárias também se favorecem na relação. Os candidatos nas eleições proporcionais geralmente possuem um contato mais próximo com o eleitor, e praticam um trabalho mais específico nos bairros e nas ruas.

Muitas vezes, o eleitorado apenas consegue ver os candidatos das eleições proporcionais em eventos de grande porte, como carreatas e comícios. No entanto, os candidatos nas eleições proporcionais conseguem ir de casa em casa e auxiliam os candidatos majoritários na angariação de votos de pessoas menos engajadas com política.

Em suma, os candidatos nas eleições proporcionais possuem a fundamental função de ligar os candidatos majoritários a população mais esquecida e menos politizada. Por sua vez, o candidato majoritário concede mais exposição aos candidatos proporcionais, auxiliando numa maior votação em locais onde o candidato não possui alguma vinculação.

E aqui merece a ressalva de que a Emenda Constitucional nº 97 de 2017 alterou o §1º do artigo 17 da Constituição Federal para proibir a celebração de coligações nas eleições proporcionais, mas não impediu o apoio político de candidatos às eleições proporcionais a candidatos coligados nas eleições majoritárias e vice-versa, ainda que de partidos diferentes.

Entretanto, existe uma corrente doutrinária, que está sendo seguida pelo Ministério Público Eleitoral em diversas unidades da federação, que praticamente inviabiliza o exercício de apoio político entre um candidato majoritário e um candidato proporcional, de partidos diferentes, coligados apenas nas eleições proporcionais. Explica-se.

O §2º do artigo 17 da Resolução TSE nº 23.607/2019 assim estabelece:

Art. 17. O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º). (…)

§ 2º É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos:

I – não pertencentes à mesma coligação; e/ou

II – não coligados.

A interpretação que alguns órgãos e entidades estão dando ao dispositivo supracitado é a seguinte. O candidato das eleições majoritárias não pode repassar recursos a candidatos nas eleições proporcionais de outro partido, ainda que coligados para as eleições majoritárias.

O fundamento é de que como os partidos não estão coligados nas eleições proporcionais, ainda que coligados nas eleições majoritárias, os candidatos não estariam “coligados” e, por isso, não poderiam repassar valores.

Ocorre que, existe uma outra corrente doutrinária que está entendendo diferente, e o principal fundamento é o de que dar interpretação restritiva ao §2º do artigo 17 da Resolução TSE nº 23.607/2019 praticamente compromete a formação de qualquer coligação.

Isso porque caso o referido entendimento seja acolhido, apenas os candidatos que forem do mesmo partido do candidato para as eleições majoritárias que poderão compartilhar material de campanha e realizar “dobradinhas”.

Desse modo, não há qualquer razão para que um partido se coligue a um candidato de outro partido nas eleições proporcionais. Na hipótese em que não se pode fazer material de campanha conjunto, com o apoio expresso de um candidato a outro, a razão de existir das coligações acabou.

Esse é o entendimento, por exemplo, de alguns doutrinadores, vejamos:

10) A Res. 23.607/2019 do TSE, que regulamenta a prestação de contas para as eleições de 2020, estabelece, em seu artigo 17, no que tange aos recursos oriundos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), a vedação de repasses e doações entre candidatos que não integrem o mesmo partido ou não pertençam à mesma coligação:

“Artigo 17 — O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) será disponibilizado pelo Tesouro Nacional ao Tribunal Superior Eleitoral e distribuído aos diretórios nacionais dos partidos políticos na forma disciplinada pelo Tribunal Superior Eleitoral (Lei nº 9.504/1997, art. 16-C, § 2º).

§1º. Inexistindo candidatura própria ou em coligação na circunscrição, é vedado o repasse dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) para outros partidos políticos ou candidaturas desses mesmos partidos.

§ 2º. É vedado o repasse de recursos do FEFC, dentro ou fora da circunscrição, por partidos políticos ou candidatos: I – não pertencentes à mesma coligação; e/ou II – não coligados”.

11) Como o dispositivo acima transcrito proíbe o repasse de recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC) entre partidos políticos ou candidatos não coligados, e considerando a extinção das coligações nas eleições proporcionais (EC 97/2017) a partir das eleições de 2020, em algumas localidades tem-se encampado o errôneo entendimento de que deveriam ser consideradas como ilícitas as eventuais doações, ainda que estimadas, entre a campanha do candidato à majoritária em favor de campanha de candidato da proporcional por partido que integre sua coligação, tendo conduzido a pareceres pela desaprovação ou aprovação com ressalvas, de contas de candidatos a majoritária em que este expediente ocorreu.

12) Temos aqui, portanto, e com a devida vênia, uma interpretação que ignora o real significado das coligações e sua persistência nas eleições majoritárias. Ora, integrando o partido do candidato à majoritária coligação com outros partidos, fato é que para aquele pleito tais partidos exercem a função de um partido único, de modo que uma doação estimada do candidato a majoritária para o proporcional que integre sua coligação será considerada tal como se fosse uma doação para um integrante de seu próprio partido, nada conflitando com o já transcrito parágrafo 2º, do artigo 17 da Res. 23.607/2019, já que estamos diante, efetivamente, de partidos coligados.

13) A prosperar o entendimento de alguns setores técnicos, teríamos, como consequência, o fato de que nenhum candidato a proporcional, no Brasil inteiro, poderia ter materiais de campanha financiados pelo FEFC em conjunto com o candidato da majoritária de sua coligação, o que não apenas contraria a lógica do pleito como a mens legis da EC 97/2017, quando vedou as coligações nas eleições proporcionais. Ademais, prosperando este entendimento, a desaprovação de contas nos mais de 5,5 mil municípios brasileiros seria generalizada, na medida em que é da praxis eleitoral — não vedada pela Res. 23.607/2019 — que os materiais de campanha dos candidatos às eleições proporcionais sejam acompanhados pelo candidato à majoritária.

14) Os recursos oriundos do FEFC destinam-se a fazer frente a gastos de campanha, podendo ser utilizados para confecção de materiais impressos, por exemplo. Suponhamos que o partido de candidato à majoritária em um determinado município tenha se coligado a outros quatro partidos para aquele mesmo pleito. Como vimos, as coligações para fins das eleições majoritárias permanecem intocadas. Por óbvio, o cargo da majoritária, como o de prefeito, no caso das eleições de 2020, é único e, portanto, tem-se em cada pleito uma única vaga para cada cargo, de modo que o concorrente a este cargo será de um partido e os demais partidos coligados terão candidatos próprios na eleição proporcional, apoiando o candidato majoritário que é de outro partido.”[2]

A referida discussão está causando certo incômodo no Poder Judiciário. Isso porque alguns magistrados estão aplicando o dispositivo de uma forma, a vedar o repasse de candidatos majoritários a candidatos proporcionais, enquanto outros magistrados estão entendendo que não há vedação para a referida operação.

Em verdade, o artigo 17, §2º da Resolução TSE nº 23.607/2019 não impede expressamente a doação de candidatos da chapa majoritária a candidatos da chapa proporcional. O dispositivo apenas determina que não se pode doar recursos do FEFC a partidos que não componham a coligação.

O problema que se criou para o pleito eleitoral de 2020 é que o dispositivo é ambíguo, e ambas as interpretações são possíveis. Entretanto, como o TSE não definiu previamente a interpretação correta do dispositivo, a punição de qualquer candidato pela referida prática é absolutamente desproporcional e compromete a lisura do pleito já realizado.

Ou seja, admitir a interpretação restritiva é comprometer por completo uma prática que sempre foi realizada pelos candidatos e nunca houve uma determinação expressa em contrário, desde que a interpretação não seja esclarecida pelo TSE.

Nem mesmo o TSE pacificou qualquer entendimento sobre a possibilidade de serem repassados recursos do FEFC para candidatos de partidos distintos nas eleições proporcionais que estejam coligados apenas nas eleições majoritárias. Jamais se poderia dar a referida interpretação para punir o candidato para o pleito de 2020

Desse modo, considerando que não há uma vedação expressa, por ambiguidade no texto do §2º do artigo 17 da Resolução TSE nº 23.607/2019, não se poderia punir os candidatos das eleições de 2020 por uma interpretação restritiva que sequer foi fixada pelo TSE.


[1] Advogado, formado em 2017 pela Faculdade de Direito da Fundação Armando Alvares Penteado. [email protected]

[2] ARAÚJO, Gabriela Shizue Soares de Araújo; JUNIOR, Roberto Beijato. “Aspectos polêmicos sobre as análises das prestações de contas nas eleições de 2020”. Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-05/opiniao-analises-prestacoes-contas-eleicoes-2020. Acesso em: 04/03/2021 às 21:52.


REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Gabriela Shizue Soares de Araújo; JUNIOR, Roberto Beijato. “Aspectos polêmicos sobre as análises das prestações de contas nas eleições de 2020”. Consultor Jurídico, 2021. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2021-fev-05/opiniao-analises-prestacoes-contas-eleicoes-2020; Acesso em: 04/03/2021 às 21:52.