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Setor Oeste

Licenciamento ambiental e a responsabilidade por danos ao meio ambiente

Licenciamento ambiental e a responsabilidade por danos ao meio ambiente

30 jul 2020

Jaíne de Almeida Reis[1]

1 POLÍTICA AMBIENTAL E LICENCIAMENTO: UMA ATIVIDADE DE INTERESSE NACIONAL

O conceito de Política Ambiental é imprescíndivel para o estudo da responsabilidade do Estado e do empreendedor por danos ambientais. Dispõe Paulo Affonso Leme Machado (2013, p. 385) que:

[…] é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades pendentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.

A Política Ambiental, portanto, é medida a ser adotada para regulação, por parte da Administração Pública, de atividades nocivas ao meio ambiente, pautada pelo princípio do interesse público sobre o interesse privado.

Deste princípio decorre também o instituto do Licenciamento Ambiental,  instrumento estatal pelo qual o Poder Público controla as atividades econômicas que podem degradar o meio ambiente, em cumprimento ao disposto no artigo 225 da Constituição Federal, que impõe expressamente ao Poder Público, bem como à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Atrelado ao licenciamento ambiental, entretanto, estão diversos jogos de interesses de agentes públicos e de empreendedores, beneficiados pelas lacunas legais existentes, que acabam por ocasionar arbitrariedades objetivando facilitar ou mesmo dificultar a concessão da Licença Ambiental. É o que destaca Talden Farias (2015, p. 149):

Não existe uma determinação precisa dos direitos e deveres dos órgãos ambientais, dos requerentes da licença ambiental e dos interessados no licenciamento. Isso pode trazer insegurança para os administrados e abrir espaço para o cometimento de arbitrariedades por parte da Administração Pública. Dessa forma, existe uma margem para que os órgãos ambientais possam tanto dificultar como simplificar o licenciamento ambiental de um determinado empreendimento de acordo com os interesses econômicos, pessoais, políticos e religiosos dos seus dirigentes.

Para maior compreensão da problemática a que se refere o presente estudo, se faz necessário o recorte da legislação pertinente à Licença Ambiental, neste caso para a exploração de minério de ferro.

Para tratar sobre o assunto, aborda-se os casos de Mariana e Brumadinho, nos quais os danos ambientais decorreram do rompimento de barragens de rejeitos, utilizadas na exploração mineral.

Conforme preconiza o artigo 17- L da Lei de n° 6938/1981, que trata acerca da Política Nacional do Meio Ambiente: “As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente”.

O artigo transcrito evidencia o poder detido pelo Estado para, por meio de procedimento administrativo, autorizar o empreendedor a explorar determinado recurso ambiental.

As diversas etapas deste processo são previstas em leis e atos normativos, como a resolução de n° 237/97 do CONAMA, que apresenta, em seu artigo 10, rol exemplificativo dos procedimentos a serem observados, quais sejam: definição do órgão ambiental competente, requerimento da licença, análise, esclarecimentos e solicitações, audiência pública, parecer técnico e, por fim, deferimento ou indeferimento da licença.

Em 2011, a Lei complementar nº 140 disciplinou a competência dos entes federativos em relação às questões ambientais, estabelecendo, para tanto, as normas de cooperação pertinentes. A norma trouxe também previsão de que os empreendimentos e atividades serão licenciados ou autorizados, ambientalmente, por um único ente federativo, sendo que este teria competência para fiscalizar e lavrar auto de infração, formando o chamado guichê único. Por consequência, a manifestação dos demais entes não seriam vinculantes, resultando em maior celeridade e transparência nos procedimentos.

Ocorre que o licenciamento ambiental, que deveria mitigar os efeitos e controlar os danos e riscos das atividades de exploração mineral, acaba sendo visto como um entrave burocrático ao progresso. Por esse motivo, a balança que deveria aferir o interesse público acaba pendendo aos interesses econômicos. Logo, a licença ambiental é concedida com inobservância dos requisitos legais, o que contribui de maneira determinante para o aumento dos riscos de ocorrência de desastres.

Como exemplo do descaso no processo de licenciamento ambiental, cita-se o projeto legislativo PLS 654/2015, que tramita na Comissão Especial do Desenvolvimento Nacional do Senado. A proposta normativa visa a diminuição do controle e da fiscalização em vastos projetos de infraestrutura, o que ocasionaria a eliminação de espaços de participação direta de atingidos e interessados, a diminuição do prazo de estudos ambientais e a criação de uma “licença integrada”.

2 A DEBILIDADE DO CONTROLE PÓS-LICENCIAMENTO E OS CASOS BRUMADINHO E MARIANA

Importa observar também como se dá a fiscalização ambiental. Assim dispõe o Relatório de Gestão do Ministério de Minas e Energia (Departamento Nacional de Produção Mineral, BRASIL, 2017):

A atividade de fiscalização minerária é realizada por meio de análise de documentos técnicos apresentados pelos titulares de direito minerário e inspeções presenciais em áreas de pesquisa e minas, de oficio para o cumprimento do Código de Mineração (CM), bem com aquelas reativas para atendimento de demandas provenientes da sociedade e de outros órgãos públicos.

Esta fiscalização é legitimada pelo poder de polícia e possui instrumento para efetivar a prevenção e a repressão aos possíveis danos ambientais, tais quais: o licenciamento, o estudo prévio do impacto ambiental e a aplicação de sanções. Pode-se destacar como algumas dessas penalizações a aplicação de multa, a suspensão das atividades, a interdição do estabelecimento, a caducidade de concessões, entre outros.

Os fatores econômicos continuam a incidir de forma incisiva na fase do pós-licenciamento, como destacam Lacaz et al (2016, p.9):

Pode-se dizer que a tragédia da Samarco “foi uma violência estrutural – conceito adotado […] para dar visibilidade a uma forma de sofrimento causado por estruturas sociais pelo descaso, corrupção e ausência do Estado na fiscalização”. A inação dos poderes constituídos relaciona-se ao papel das empresas mineradoras nas campanhas eleitorais: em 2006 a Vale foi a maior doadora para políticos e partidos, sendo a terceira em 2014.

Há de se observar, ainda, como a efetivação das normas é deficitária frente à previsão legal. A exemplo, destaca-se o que foi noticiado no site BBC News (2019):

Segundo o secretário de Infraestrutura Hídrica e Mineração do Tribunal de Contas da União, Uriel Papa, a Agência Nacional de Mineração (ANM) não tem funcionários em número suficiente para cumprir atribuições, como fiscalizar in loco as barragens do país. A agência depende de inspeções contratadas pelas próprias mineradoras. E não conta, segundo Papa, com um sistema eficiente para validar os dados fornecidos pelas empresas [..].

[…] “A nossa gestão é muito falha, é reativa. A gente quer gerenciar o caos, mas não evitar que ele aconteça”, define a engenheira Rafaela Baldí, especialista em segurança de barragens e autora do livro Manual para Elaboração de Planos de Ação Emergencial para Barragens de Mineração.

Constata-se, pois, o atual sucateamento estrutural dos órgãos de monitoramento e controle ambiental, tanto da esfera federal como da estadual, que funcionam hoje com carência de pessoal e de recursos, deixando transparecer a visão dos gestores públicos de que o zelo pelas questões ambientais é uma questão de menor importancia.

A lei nº 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB), em seu artigo 2º, inciso I, define barragem como “[…] qualquer estrutura em um curso permanente ou temporário de água para fins de contenção ou acumulação de substâncias líquidas ou de misturas de líquidos e sólidos, compreendendo o barramento e as estruturas associadas […]”.

Nos casos da atividade de exploração mineral, as barragens funcionam como atividade-meio, decorrentes da extração do minério, sendo destinadas à armazenagem dos resíduos e rejeitos industriais, que são tidos como sobra indesejável do processo. Dessa forma, os investimentos em técnicas mais modernas para a apropriada disposição desses rejeitos representariam maior despesa às empresas, impactando na lucratividade.

Uma barragem traz consigo os riscos inerentes à sua existência, mas, uma vez instalada, há que se observar todo o disposto na Lei nº 12.334/2010 e demais normas vigentes acerca da temática, para mitigar os riscos de danos ambientais. Neste sentido, destacam André P. Toledo, José Cláudio J. Ribeiro e Romeu Thomé (2016, p. 17): “pode-se afirmar, então, que a ameaça de rompimento […] pode comprometer a integridade física das pessoas, o equilíbrio ambiental de um determinado espaço territorial e a manutenção da segurança internacional”.

Entretanto, configurada a responsabilização civil estatal pelo dano ao meio ambiente, há de se examinar com cautela quanto ao seu dever de reparação, buscando evitar a ocorrência de bis in idem, em prejuízo da sociedade, haja vista que, uma vez ocorrido o dano ambiental, toda a coletividade já se vê lesada. Caso tenha o Estado a obrigação de reparar o dano, estaria a sociedade sendo penalizada reiteradamente, de maneira indireta, pelos prejuízos suportados por ela mesma.

3 REPERCUSSÕES DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO ESTADO EM CASOS DE DANO AMBIENTAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O Superior Tribunal de Justiça já atuou em casos envolvendo a responsabilização estatal por dano ao meio ambiente, como consta no Informativo 388 do STJ:

DANOS AMBIENTAIS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA.

[…] A Turma entendeu haver responsabilidade solidária do Estado quando, devendo agir para evitar o dano ambiental, mantém-se inerte ou atua de forma deficiente. A responsabilização decorre da omissão ilícita, a exemplo da falta de fiscalização e de adoção de outras medidas preventivas inerentes ao poder de polícia, as quais, ao menos indiretamente, contribuem para provocar o dano, até porque o poder de polícia ambiental não se exaure com o embargo à obra, como ocorreu no caso. Há que ponderar, entretanto, que essa cláusula de solidariedade não pode implicar benefício para o particular que causou a degradação ambiental com sua ação, em detrimento do erário. Assim, sem prejuízo da responsabilidade solidária, deve o Estado – que não provocou diretamente o dano nem obteve proveito com sua omissão – buscar o ressarcimento dos valores despendidos do responsável direto, evitando, com isso, injusta oneração da sociedade.

Ainda quanto ao dever de reparar o dano ambiental, o STJ entende ser necessária a aplicação das regras da responsabilização solidária entre o Estado e os particulares. Entretanto, em observância ao Interesse Público, foca-se em cobrar do particular, já que é este quem aufere lucros com a atividade, bem como em observância ao princípio do poluidor-pagador. Desta forma, o Estado só estaria obrigado a reparar o dano na proporção em que o particular não o fizesse.


[1] Jaíne de Almeida Reis é estagiária no escritório Crosara Advogados


REFERÊNCIAS

BBC. Por que o Brasil não tem como saber se suas barragens são seguras. Londres: 02 março 2019. Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/brasil-47240090>. Acesso em: 13 de set. 2020.

FARIAS. Talden. Licenciamento ambiental: aspectos teóricos e práticos, 5. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2015. 212p.

LACAZ, Francisco Antonio de Castro et al. Tragédias brasileiras contemporâneas: o caso do rompimento da barragem de rejeitos de Fundão/Samarco. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, v. 42, p.1-12, 29 mar. 2019.

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito ambiental brasileiro. 21. ed. rev., ampl., e atual. São Paulo: Malheiros, 2013.

TOLEDO, André Paiva; RIBEIRO, José Claúdio Junqueira; THOMÉ, Romeu. Acidentes com barragens de rejeitos da mineração e o princípio da prevenção: de Trento (Itália) a Mariana (Brasil). 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.