A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
por Suelem Costa Silva
Com a proximidade do pleito eleitoral, em razão das eleições municipais que se realizarão este ano, surgem algumas preocupações para os gestores públicos sobre os atos que são permitidos ou vedados durante esse período, especialmente no que se refere às condutas vedadas aos públicos em campanhas eleitorais.
O instituto da Conduta Vedada tem previsão entre os artigos 73 a 78 da Lei nº 9.504/97 (Lei das Eleições), nos quais consta um rol extenso de condutas que são vedadas aos agentes públicos no período eleitoral, cujo objetivo é preservar a igualdade de oportunidades entre os candidatos que concorrerão ao pleito, bem como a lisura da disputa eleitoral e a proteção do patrimônio público.
Vale destacar que as práticas de tais condutas vedadas podem ser punidas com multa, cassação do registro ou do diploma e até mesmo com a pena de inelegibilidade[1]. Além disso, conforme o entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a mera prática dos atos proibidos já ensejam as punições previstas nos §§4º[2] e 5º[3] do art. 73, da Lei nº 9.504/97, não exigindo a efetiva capacidade de influenciar no resultado das eleições, fator que só será analisado para mensurar a pena a ser aplicada.
Embora o rol das condutas vedadas seja extenso e todas mereçam a devida atenção neste período, o objeto do presente trabalho se limita a conduta vedada prevista no artigo 73, inciso VII, da Lei nº 9.504/97, que trata do limite de gastos com publicidade institucional no primeiro semestre do ano da eleição.
Antes de adentrarmos nas disposições da referida norma, faz-se necessário compreender o que é publicidade institucional, cujo conceito pode ser encontrado no art. 37, §1º, da Constituição Federal, que dispõe:
§1º A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos.
Observe, portanto, que a publicidade institucional é aquela conduzida com o objetivo de utilidade pública ou de interesse geral e não pode servir, jamais, como instrumento para que os administradores públicos promovam seu nome ou de seus grupos políticos.
Dito isso, vejamos a redação do artigo 73, inciso VII, da Lei nº 9.504/97:
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
VII – realizar, no primeiro semestre do ano de eleição, despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito;
Extrai-se que, durante a primeira metade do ano que ocorre a eleição, é probidade a realização de despesas com publicidades dos órgãos públicos ou das entidades da administração direta em valor superior à média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem ao pleito.
O objetivo da referida norma é proibir os gastos com publicidade institucional, visando evitar que estes sirvam para dar visibilidade aos ocupantes de cargos eletivos e aos seus grupos políticos.
Vale destacar, trecho do voto no Respe nº 23144, de Relatoria do Min. Luiz Fux, que assim consignou:
(…) O telos subjacente à conduta vedada encartada no art. 73, VII, da Lei das Eleições é interditar práticas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre os candidatos. (Recurso Especial Eleitoral nº 23144, Acórdão, Relator(a) Min. Luiz Fux, data 07/04/2017).
Uma dúvida recorrente que surge ao interpretar o inciso VII, do art. 73 da Lei das Eleições, centra-se em qual seria o momento referido na expressão “realizar despesas com publicidade institucional”, se seria o momento em que o serviço foi prestado, se seria o momento em que o pagamento deveria ser efetuado, se seria na data da emissão da nota fiscal ou do atesto da liquidação.
O Tribunal Superior Eleitoral já se deparou com esta situação diversas vezes e pacificou seu entendimento, conforme o que foi decidido no emblemático REsp nº 67994, de Relatoria do Min. Henrique Neves. Vejamos:
3. A melhor interpretação da regra do art. 73, VII, da Lei das Eleições, no que tange à definição – para fins eleitorais do que sejam despesas com publicidade -, é no sentido de considerar o momento da liquidação, ou seja, do reconhecimento oficial de que o serviço foi prestado – independentemente de se verificar a data do respectivo empenho ou do pagamento, para fins de aferição dos limites indicados na referida disposição legal. (Recurso Especial Eleitoral nº 67994, Acórdão de 24/10/2013, Relator Min. Henrique Neves da Silva, DJE 19/12/2013).
Observe, portanto, que o TSE adotou o entendimento de que, para fins de observância dos gastos com publicidade institucional, deve-se considerar o momento em que o serviço foi prestado.
De acordo com a jurisprudência firmada no TSE não podem ser incluídos na apuração da conduta vedada em análise os valores referentes a gastos com publicidade institucional que foram apenas empenhados pela Administração no primeiro semestre do ano da eleição, mas que foram realizados no ano anterior.
Nesse sentido é a jurisprudência:
– RECURSO – ELEIÇÕES 2012 – INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEITORAL – ALEGAÇÃO DE PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHA ELEITORAL (LEI N. 9.504/1997, ART. 73, VII) E DE ABUSO DO PODER POLÍTICO (LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990, ART. 22) – SUPOSTO PAGAMENTO DE DESPESAS COM PUBLICIDADE INSTITUCIONAL NO PRIMEIRO SEMESTRE DAS ELEIÇÕES ACIMA DO LIMITE MÁXIMO PERMITIDO POR LEI – BALIZA LEGAL EQUIVALENTE À MÉDIA SEMESTRAL DAS DESPESAS LIQUIDADAS PELA ADMINISTRAÇÃO NOS 03 (TRÊS) ANOS ANTERIORES AO PLEITO – IMPOSSIBILIDADE, CONTUDO, DE SEREM CONSIDERADOS NA APURAÇÃO DA CONDUTA OS VALORES REFERENTES A GASTOS QUE FORAM APENAS EMPENHADOS PELA MUNICIPALIDADE – INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DA NORMA – DISPÊNDIO DE RECURSOS DENTRO DO TETO AUTORIZADO PELA LEGISLAÇÃO – VEICULAÇÃO DE NOTÍCIAS NA PÁGINA ELETRÔNICA DO MUNICÍPIO A RESPEITO DE FESTA LOCAL – MENSAGENS DE CARÁTER MERAMENTE INFORMATIVO, SEM CONOTAÇÃO FLAGRANTEMENTE ELEITOREIRA – INEXISTÊNCIA DE UTILIZAÇÃO DA PUBLICIDADE INSTITUCIONAL DO MUNICÍPIO PARA PROMOÇÃO PESSOAL – DESPROVIMENTO.
1. De acordo com a jurisprudência firmada neste Tribunal, “a teor do inciso VII do artigo 73 da Lei n. 9.504/1997, os agentes públicos, no primeiro semestre do ano da eleição, não podem liquidar recursos referentes a despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou das respectivas entidades da administração indireta, que excedam a média semestral dos gastos liquidados nos 03 (três) últimos anos que antecedem o pleito ou do último ano imediatamente anterior à eleição” (TRESC, Ac. n. 27.662, de 1º.10.2012, Juiz Eládio Torret Rocha).
Por isso mesmo não podem ser incluídos na apuração da conduta vedada em análise os valores referentes a gastos com publicidade institucional que foram apenas empenhados pela Administração no primeiro semestre do ano da eleição.
2. Não configura uso abusivo da publicidade institucional, a veiculação de entrevista e de fotos de secretária municipal – e, posteriormente, candidata ao cargo de prefeito – que se limita a servir de instrumento para levar ao conhecimento da população em geral as peculiaridades de festividade local, como forma de enaltecer a imagem do município e, assim, desenvolver o turismo local, notadamente porque ausente a divulgação de informações de promoção pessoal ou de caráter eleitoral. (TRE/SC – RECURSO CONTRA DECISOES DE JUIZES ELEITORAIS nº 33245, Acórdão nº 28052 de 04/03/2013, Relator LUIZ CÉZAR MEDEIROS, Publicação: DJE 11/03/2013)
Isso porque, adotar entendimento contrário, significaria aceitar que o administrador público efetuasse várias despesas com publicidade eleitoral, no primeiro semestre do ano da eleição e, somente realizasse o pagamento, utilizando-se de subterfúgios, no ano seguinte.
Por esta razão, o entendimento adotado pelo TSE, o qual foi aplicado até a última eleição, é no sentido de que a expressão “realizar despesas com publicidade institucional” refere-se ao gasto com o serviço efetivamente prestado no primeiro semestre do ano da eleição, ainda que pago somente no semestre seguinte.
Nesse mesmo sentido é a lição de José Jairo Gomes:
Diante disso, qual o exato significado das expressões “realizar despesas” e “gastos” no enfocado inciso VII do artigo 73 da LE? Certamente não significa empenho, pois esse é apenas uma previsão de despesa no orçamento público. O só empenho não implica a realização da obrigação respectiva, podendo aquele ato vir a ser desfeito posteriormente. Tampouco pode significar pagamento, pois este depende da existência de disponibilidade financeira no órgão; de sorte que, embora a parte contratada cumpra a obrigação, esta pode não ser adimplida pelo órgão público contratante. Em tal quadro, o inciso VII do artigo 73 da LE só pode se referir às despesas liquidadas, ou seja, às obrigações já adimplidas pela parte contratada, a qual tem direito subjetivo ao pagamento.
Portanto, a publicação de atos legais (oficiais) não pode ser confundida com a publicidade institucional destinada à divulgação dos atos da administração pública, não podendo os gastos com aquela serem computados para fins de aferição do limite previsto na Lei das Eleições.
Este é o entendimento dos Tribunais Eleitorais pátrios:
Embargos de declaração com pedido de atribuição de efeitos infringentes. Alegada ocorrência de omissão no aresto que deu provimento a recurso e condenou o embargante à multa por infringência ao inciso VII do artigo 73 da Lei n. 9.504/97.
A publicação de atos legais/oficiais não se confunde com a publicidade institucional destinada à divulgação dos atos da administração pública, não sendo computados para fins de aferição do limite previsto no artigo 73, inciso VII, da Lei n. 9.504/97. Valores decorrentes de atos administrativos vinculados.
Efeitos infringentes para negar provimento ao recurso ministerial e manter a improcedência da representação. Acolhimento. (TRE-RS – Recurso Eleitoral nº 72666, Acórdão de 23/09/2014, Relator DR. LEONARDO TRICOT SALDANHA, DEJERS – Tomo 172, Data 25/9/2014)
E:
Recurso. Conduta vedada. Propaganda institucional. Art. 73, inc. VII, da Lei n. 9.504/97. Prefeito e vice. Procedência. Multa. Eleições 2012.
Alegado excesso de despesas com publicidade institucional no ano do pleito com ultrapassagem da média de gastos dos três últimos anos.
Erro material do cálculo no parecer contábil ao deixar de distinguir despesas com publicidade de natureza oficial e às provenientes de publicidade tipicamente institucional.
Não caracterizado excesso de despesas com publicidade. Afastadas as penalidades impostas.
Provimento. (TRE-RS – Recurso Eleitoral nº 30598, Acórdão de 24/10/2014, Relator DESA. Maria De Fátima Freitas Labarrère, Publicação: DEJERS -, Data 28/10/2014)
Dessa forma, o entendimento adotado pelo TSE nas últimas eleições, definiu que a melhor interpretação da regra do art. 73, inciso VII, da Lei das Eleições é no sentido de considerar o momento da liquidação, ou seja, do reconhecimento oficial de que o serviço foi prestado.
Até a presente data, existem diversas discussões sobre a aplicação do limite previsto no art. 73, inciso VII, da Lei das Eleições, no caso das campanhas publicitárias direcionadas à prevenção da Covid-19.
O Partido Avante (antigo PT do B) ajuizou a Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) 6374 no STF, contra as normas eleitorais que limitam os gastos com publicidade institucional no primeiro semestre do ano das eleições.
Segundo o autor, “o reconhecimento formal do estado de calamidade pública em razão da pandemia de Covid-19 demanda gastos extraordinários com atos e campanhas publicitárias dos órgãos públicos a fim de orientar a população na prevenção do contágio pelo novo coronavírus.” [4]
Conforme noticiado do sítio eletrônico do STF “com o intuito de oferecer igualdade de oportunidade entre os candidatos nas eleições, as normas em questão vedam aos agentes públicos a realização de despesas com publicidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, ou da administração indireta, que excedam a média dos gastos no primeiro semestre dos três últimos anos que antecedem o pleito. Para o partido, tal limitação viola a efetivação de garantias fundamentais asseguradas na Constituição Federal, como a dignidade humana, bem como o direito à vida, à saúde, à segurança e à informação.”[5]
O autor da referida ADI pleiteia que o STF dê interpretação as normas eleitorais, de modo a não aplicá-las em relação as despesas com publicidade institucional que seriam necessárias ao enfrentamento da Covid-19 no contexto de calamidade pública.
Até a presente data, a ADI 6374 encontra-se em fase de cumprimento das diligências determinadas pelo n. Relator, Min. Ricardo Lewandowski.
Dessa forma, até o julgamento da ADI 6374, o limite de gastos com publicidade institucional previsto no art. 73, inciso VII, da Lei das Eleições, deve ser rigorosamente obedecido. Lembrando que, a melhor interpretação da regra previsto em tal dispositivo, no que tange à definição – para fins eleitorais do que sejam despesas com publicidade –, é no sentido de considerar o momento da liquidação, ou seja, do reconhecimento oficial de que o serviço foi prestado – independentemente de se verificar a data do respectivo empenho ou do pagamento, para fins de aferição dos limites indicados na referida disposição.
Não se pode perder de vista, que a inobservância das determinações previstas nos arts. 73 a 78 da Lei das Eleições sujeitam os agentes públicos às penalidades de suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, aplicação aos agentes responsáveis de multa no valor de R$ 5.320,50 a R$ 106.410,00, sem prejuízo de outras sanções de caráter constitucional, administrativo ou disciplinar fixadas em outras leis que regem o tema.
Por tais razões, imperioso que os agentes públicos se submetam às regras estabelecidas pela Lei das Eleições, pois só assim será possível frear o cometimento de condutas vedadas ou qualquer outro ato ilícito, além de ser o único caminho para assegurar a igualdade de condições nas disputas eleitorais.
[1] Art. 1º São inelegíveis:
I – para qualquer cargo:
j) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão colegiado da Justiça Eleitoral, por corrupção eleitoral, por captação ilícita de sufrágio, por doação, captação ou gastos ilícitos de recursos de campanha ou por conduta vedada aos agentes públicos em campanhas eleitorais que impliquem cassação do registro ou do diploma, pelo prazo de 8 (oito) anos a contar da eleição;
[2] § 4º O descumprimento do disposto neste artigo acarretará a suspensão imediata da conduta vedada, quando for o caso, e sujeitará os responsáveis a multa no valor de cinco a cem mil UFIR.
[3] § 5o Nos casos de descumprimento do disposto nos incisos do caput e no § 10, sem prejuízo do disposto no § 4o, o candidato beneficiado, agente público ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diploma.
[4] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=440994
[5] Idem 4