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Setor Oeste

A proteção de dados pessoais no Brasil diante da iminência de um cenário de instabilidade econômica

A proteção de dados pessoais no Brasil diante da iminência de um cenário de instabilidade econômica

27 abr 2020

Por Carlos Eduardo Marques Silva[1]

Sumário: Introdução. 1. O direito ao sigilo e a necessidade de consentimento do consumidor para o uso de dados; 2. A proposta de adiamento da vigência da LGPD e os riscos do aceite; 3. Proteção de dados, livre iniciativa e defesa do consumidor; 4. Pontos importantes a serem observados pelas empresas.

Introdução

A contemporaneidade tem observado o alvorecer do desenvolvimento tecnológico que encontra o seu ápice na inteligência artificial, por muitos denominada de 4ª Revolução Industrial ao operar com o manuseio de dados em rede. Nesse cenário, o processamento de dados torna-se algo valioso e extremamente cobiçado.

Na pós-modernidade, a sociedade de consumo depende do processamento de dados para sobreviver. Nesse cenário de assédio ao consumo, fala-se no ano de 2020, quando finalmente poderá ter-se um regramento efetivo da proteção de dados, em postergar os efeitos de uma lei que tem a sua iminência datada de quase uma década.

Muitos apontam que permitir a vigência desta lei no atual momento representa muitos riscos às empresas que utilizam dados pessoais em suas políticas de funcionamento. No entanto, o mais coerente é pensar que a adequação é necessária e imediata. Tendo em vista que a privacidade é um direito fundamental, a tutela efetiva desse direito torna-se emergencial. Ora, não fosse isso, estar-se-ia entregando os direitos fundamentais ao acaso, o que é juridicamente impensável.               

 A Lei n° 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção aos Dados Pessoais) se apresenta como uma resposta aos anseios da população, relacionados à proteção da privacidade. Até então, é difícil saber como é tratado o manejo dos dados pessoais fornecidos pelos cidadãos em suas diversas navegações na web.

Ademais, sempre foi um mistério para muitos de nós quem mantém acesso aos mais diversos aspectos da vida privada no âmbito da internet, do histórico de navegações diárias até as mais sigilosas senhas. Desde anúncios de vendas direcionadas aos e-mails nominais em newsletters, em que nunca houve cadastro voluntário. É de se pontuar, portanto, que os dados pessoais tornaram-se um cobiçado e importantíssimo ativo para empresas que atuam no comércio virtual.

Nesse toar, infinitas são as estratégias de venda direcionadas aos consumidores virtuais. Desde cookies até retargetings, conceitos utilizados pelo marketing digital, que visam garantir uma maior assertividade nos processos de vendas on-line e que utilizam como mecanismo principal os dados do histórico de busca do consumidor virtual.

Fato é que se torna difícil falar em privacidade quando dá-se conta de que os dados pessoais são enviados em pacotes para grandes empresas, que cobiçam cada vez mais o manejo deles. Vez ou outra ouve-se falar em escândalos relacionados ao uso indevido de dados envolvendo grandes empresas, como foi o caso do Facebook na época das eleições americanas e que gerou um grande desconforto no cenário global.

Nesse ensejo, um dos maiores questionamentos da atualidade é a possibilidade de conciliar a proteção de dados com o avanço tecnológico.

1. O direito ao sigilo e a necessidade de consentimento do consumidor para o uso de dados.

Inicialmente é de se pontuar, nos dizeres de Maciel (2019), que “a lei busca um equilíbrio entre os novos modelos de negócio baseados no uso de dados pessoais e a proteção à privacidade, valor cada vez mais na pauta dos cidadãos a partir da divulgação cada vez maior de casos de uso indevido de tais informações”[2]. Nesse contexto, urge a vigência da LGPD.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos reconheceu o direito de inviolabilidade à vida privada como um direito fundamental do homem. Assim, em seu art. 12 está positivado que: “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua família, em seu lar, ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques”.

De igual modo, a Constituição Federal de 1988 incorporou tal assertiva em seu art. 5°, X, ao prescrever que: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.

Posto isso, verifica-se que os dados pessoais pertencem à intimidade do indivíduo, necessitando do consentimento deste para ser acessada. Nesse sentido, a LGPD traz em seu art. 5°, XII, o conceito de consentimento como sendo a “manifestação livre, informada e inequívoca pela qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma finalidade determinada”. A partir disso, pode-se deduzir que, sem o cumprimento do requisito “consentimento” muito bem delineado a favor do consumidor, aquele que o violá-lo incorrerá em abuso e se submeterá às penalidades trazidas pela legislação.

2. A proposta de adiamento da vigência da LGPD e os riscos do aceite.

Tramita perante a Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5762/2019 cujo objeto é a prorrogação da vigência da LGPD, que deveria começar em agosto de 2020, para agosto de 2022. Cumpre salientar que, se aprovada, será a segunda vez que a vigência desta lei é postergada, tendo em vista que, inicialmente, entraria em vigor em janeiro de 2020.

Nesse sentido, permitir mais uma vez a prorrogação dessa legislação tão importante no atual cenário é uma afronta aos direitos básicos do consumidor, tais como, o Direito a inviolabilidade de seus dados sem o seu consentimento. Ora, conceder dois anos para a vigência da legislação é dizer para o consumidor que ele terá violado seus direitos básicos por mais dois anos.

A justificativa apresentada em sede do Projeto de Lei 5762/2019 é que a vigência se aproxima e nem todas as empresas brasileiras se adequaram aos termos da nova legislação. Outrossim, afirma que ainda não foi instaurada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados – ANPD, o que sinaliza a necessidade da Administração Pública de mover-se no sentido de contribuir para a instauração.

No entanto, tais argumentos são rasos e não devem prosperar. Ora, a Legislação deve ter sua vigência independente do comportamento das pessoas em relação a ela. Questiona-se quais são os dados que embasam este projeto, quais adequações ainda não foram realizadas e por que não foram. No caso concreto deve-se mensurar tudo isso.

3. Proteção de dados, livre iniciativa e defesa do consumidor.

Resta verificar, portanto, se é possível garantir o desenvolvimento econômico e tecnológico permitindo a inovação e, ao mesmo tempo, tutelar de forma protetiva a privacidade. No entanto, inicialmente, deve-se esclarecer que um não anula o outro, sendo perfeitamente possível conciliar o desenvolvimento tecnológico com a defesa do direito à privacidade.

É de se destacar que questionamento semelhante surgiu à época das conferências climáticas acerca da possibilidade de haver um desenvolvimento econômico quando se pensa na defesa irrestrita do meio ambiente, surgindo desse contexto o conceito de desenvolvimento sustentável, hoje bem difundido mundialmente.

Dessa forma, a literatura jurídica especializada[3] tem tratado do tema de modo coeso, sinalizando que a sociedade somente poderá obter vantagens do desenvolvimento tecnológico se este for acompanhado da tutela jurídica da privacidade. Demonstrando, portanto, que além de conciliável é também vantajoso.

Portanto, a partir de uma lógica protecionista que vê o direito à privacidade como um direito fundamental e ainda, o direito à proteção de dados como um direito básico do consumidor, deve-se pontuar que a lei não deve ter a sua vigência postergada.

4. Como se adequar à nova legislação?

Dito tudo isso, o ponto mais importante se concentra em compreender o que realmente deve ser modificado no cenário empresarial para que as empresas se adequem a realidade na LGPD. Desse modo, para se adequar às minúcias da nova legislação, faz-se imprescindível a orientação jurídica de um profissional especializado no tema.


[1] Acadêmico do curso de Direito da UFG, Pesquisador bolsista pelo CNPq em Direito Empresarial e Inovação, Estagiário Jurídico no escritório Crosara Advogados.

[2] MACIEL, Rafael Fernandes. Manual prático sobre a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. 1. ed. RM Digital Education. Goiânia, 2019.

[3] MENDES, Laura Schertel. Privacidade, proteção de dados e defesa do consumidor. Linhas gerais de um novo direito fundamental. Saraiva, 2014. 1. ed. São Paulo.