A competência do foro em ações contra o Estado
10 jul 2020
Goiânia, GO
Setor Oeste
Por Jade Fioravante, estagiária do Crosara Advogados
A crise instaurada a partir da pandemia da Covid-19, além de alarmar a população e seus representantes diante da iminência de profundos impactos em toda a rede de saúde do País, também afeta diretamente o andamento da economia brasileira.
O legislador conferiu aos entes federados a possibilidade de reconhecimento da chamada situação de emergência, que pode ser decretada quando diante de períodos nos quais há iminência de danos e prejuízos causados por desastres que impliquem no comprometimento substancial da capacidade de resposta do poder público do ente atingido (decreto 7.257/2010).
Nos casos em que a afetação substancial dos recursos é contemporânea à análise da situação do ente, há ainda a possibilidade de reconhecimento do estado de calamidade pública, prevista no mesmo decreto.
As excepcionalidades que ensejam o reconhecimento das situações acima postas requerem do(s) administrador(es) atenção quanto à necessidade de proteção da primazia do interesse público em momentos decisórios.
Defender o interesse público em contextos análogos ao atual implica, muitas vezes, na supressão temporária de direitos individuais devidamente tutelados pelo ordenamento em prol da defesa dos direitos coletivos dos jurisdicionados.
No caso do Estado de Goiás, face à confirmação dos primeiros casos de Covid-19 em território estadual, foi reconhecida situação de emergência na área da saúde. Foi somente em 25/03/2020, no entanto, que se decretou estado de calamidade pública, vez que havia contemporaneidade dos danos causados pela doença.
Os decretos estaduais instituíram medidas facilitadoras para o enfrentamento da urgência identificada, as quais evidenciam a prevalência do interesse público sobre eventuais direitos individuais no presente caso. Dentre elas, destacam-se: a) a possibilidade de aquisição de bens e serviços ainda que ausente processo licitatório; b) a possibilidade de requisição de bens e serviços de pessoas naturais e jurídicas, mediante justa indenização, ; e c) restrições relativas à realização de eventos e à visitação de locais nos quais há aglomeração de pessoas.
Muito se questiona acerca da aplicação do princípio em tela, em detrimento da proteção dos direitos individuais dos cidadãos frente à atual pandemia, sobretudo em razão dos impactos econômicos acarretados pelas medidas de contenção do avanço da doença tomadas pelo governo.
Ainda que compreensíveis, as preocupações que circundam a necessidade de aplicação do princípio na atual conjuntura levam ao entendimento de que se questiona, em verdade, o próprio fim do Estado[1]. A defesa de interesses da coletividade e o favorecimento do bem-estar social constituem um poder-dever fundamental concedido aos entes federados.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro[2] chama atenção para o fato de que o princípio da supremacia do interesse público surgiu no contexto da ascensão do Estado Liberal, período este no qual havia grande preocupação em tutelar os interesses e direitos individuais quando em face de abusos de poder.
As medidas tomadas pelos governos para contenção da doença demonstram que, para além da necessidade de observância da supremacia do interesse público, há o equilíbrio entre os princípios que regem a administração pública. Além disso, o equivocado entendimento de que a supremacia do interesse público é princípio demasiadamente abrangente advém da própria dificuldade de conceituação de seus termos.
Ademais, destaca-se que a administração pública não é pautada na necessidade de “proteção a todo custo” do interesse público. Pelo contrário: há, no Direito Administrativo, diversos outros princípios informativos os quais, em equilíbrio, permitem que o Estado cumpra seu papel de salvaguarda dos interesses da coletividade. É o caso, a exemplo, do princípio da razoabilidade.
No presente caso, a compreensão de que a supremacia do interesse público deve prevalecer em relação à soma de interesses particulares é fundamental. Resguardar a primazia do princípio em tela é também resguardar a proteção dos interesses individuais da coletividade, vez que se está diante de grave crise na saúde pública que poderia, caso não controlada, levar ao colapso do sistema de saúde brasileiro.
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. P. 126.
[2] Ibidem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Decreto 7.257, de 04 de agosto de 2010. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20072010/2010/Decreto/D7257.htm>. Acesso em 24/03/2020.
BRASIL. Lei Complementar nº 101, de 04 de maio de 2000. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm>. Acesso em 23/03/2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 32ª Ed. Atual. Rev. e Ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2019.
NOHARA, Irene Patrícia. Direito Administrativo. 9ª Ed. Atual., Rev., e ampl. São Paulo: Atlas, 2019.
STRAIOTO, Samuel. Goiás Decreta Estado De Emergência Em Saúde Pública. Estado de S. Paulo. Publ. em 13/03/2020. Disponível em < https://saude.estadao.com.br/noticias/geral,goias-decreta-estado-deemergencia-em-saude-publica,70003232438>. Acesso em 23/03/2020.